Laguna pode ganhar mais 139 anos se projeto for aprovado na Câmara; entenda

Essa não é a primeira tentativa de uma discussão do gênero, sendo que a mais recente foi em junho de 2019, quando houve a realização de uma audiência pública na Câmara de Vereadores.
Foto: Elvis Palma/Agora Laguna

Laguna completou 347 anos em julho ou será que seria mais velha? A discussão que voltou à tona na última década ganha um novo capítulo com a apresentação de um projeto de lei para oficializar o ano de 1537 como o da fundação do município, contada a partir do dia 1º de dezembro, o que somaria mais 139 anos à atual idade da cidade juliana.

A proposta foi apresentada na sexta-feira, 20, pelo vereador Rodrigo Bento (PL) no ato de retorno à Câmara de Vereadores após ficar duas semanas afastado por motivos de saúde. Essa não é a primeira tentativa de uma discussão do gênero, sendo que a mais recente foi em junho de 2019, quando houve a realização de uma audiência pública na Câmara de Vereadores.

Bento, que é professor de História, baseia o projeto nos estudos e pesquisas realizadas por uma série de memorialistas e pesquisadores ao longo das últimas décadas e que foram compilados na obra Laguna terra mater, escrita por Adílcio e Lucas Cadorin em 2013.

Se for aprovada pela Câmara, o 29 de julho deixa de ser comemorado como fundação da cidade e ficará apenas reconhecida como o dia em que foi proclamada a República Catarinense. A data foi escolhida em 1975 para oficializar as comemorações do tricentenário municipal, que transcorreria no ano seguinte e desde 1989 é um feriado oficial. Já o bandeirante vicentista Domingo de Brito Peixoto passa a ser reconhecido como povoador e todas as homenagens prestadas a ele seguirão mantidas.

O navegador português André Afonso Gonçalves, responsável por apontar a existência do Cabo de Santa Marta em 1502 passará a ser reconhecido oficialmente como descobridor das terras de Laguna. Os freis Bernardo de Armenta e Afonso de Lebron, da Ordem Franciscana, ganharão o título de fundadores, por terem construído a primeira capela e iniciado trabalho de catequização com os nativos carijós. Por ser um projeto de lei ordinária, para ser aprovado precisará apenas de duas votações por maioria simples para depois ser sancionado oficialmente.

Leia ponto a ponto a justificativa apresentada pelo vereador com as explicações históricas

Considerando que a data de 29 de julho é comemorada como sendo a data oficial da fundação da cidade de Laguna;

Considerando que referida data é na verdade data da Proclamação da República Catarinense, ocorrida em 1839;

Considerando que esta data foi escolhida por decreto municipal, aleatoriamente, como data de fundação em virtude de não existirem registros históricos da data correta que aqui chegou o bandeirante Domingos de Brito Peixoto, fato que é do consenso dos principais historiadores catarinenses como Osvaldo Rodrigues Cabral, Saul Ulyssea, Lucas Boiteux, Ruy Rubem Ruschel, Fonseca Galvão, Walter Piazza, Adilcio Cadorin e diversos outros;

Considerando que Domingos de Brito Peixoto e seus familiares são historicamente considerados por diversos historiadores e especialmente por Ruy Rubem Ruschel e Vilson Farias, que este bandeirante vicentista “veio dar calor povoador” à então aldeia que já existia e era habitada por índios, por náufragos e degredados europeus; 

Considerando que as terras existentes ao sul da Colônia Brasileira eram consideradas como “Terra de ninguém”, e que foi com o intuito de ocupar oficialmente que Domingos de Brito foi encarregado para descobrir minas de ouro e prata nos sertões ao sul de Sorocaba, encargo este detalhado pela Coroa Portuguesa através de uma Carta Regia, que também ordenava que o mesmo se apropriasse dos sertões ao sul da Capitania de São Paulo; 

Considerando que em 1501 por ordem da Coroa Portuguesa, que havia organizado uma expedição para identificar e tomar posse dos principais acidentes geográficos das terras descobertas por Pedro Alvares Cabral, o navegador português André Afonso Gonçalves descobre, denomina e assinala o Cabo de Santa Marta, no dia que o catolicismo o consagra à Santa Marta, ou seja, dia 29 de agosto.

Considerando que em 1502, Laguna foi assinalada como Cabo de Santa Marta, passando a constar no mapa-múndi elaborado pelo italiano Alberto Cantino, que havia sido encomendado pelo rei de Portugal, Dom Manoel. O documento ficou conhecido como Planisfério de Cantino. Encontra-se hoje na Biblioteca Estense, na cidade de Modena, na Itália. No entanto,  Laguna já era conhecida antes ainda da confecção do mapa, ou seja, ainda antes do descobrimento oficial do Brasil. É o que se deduz pela leitura das ordens dadas pelo Rei de Portugal em 1498 a Bartolomeu Dias, que tinha a missão de  navegar na parte ocidental  “além da grandeza do mar oceano,  onde é achada uma grande terra firme … e que é grandemente povoada e tanto que se dilata por sua grandeza e corre com  muita largura, que de uma parte nem de outra não foi visto e nem sabido o fim  e cabo dela”

Considerando que existem registros e documentos históricos de que muito antes de Domingos de Brito Peixoto chegar, o local onde hoje se encontra Laguna já era habitado por náufragos europeus, e que já havia sido sede de missões jesuíticas, sendo a primeira promovida pelos freis espanhóis pertencentes à Ordem Franciscana, Bernardo de Armenta, superior e natural de Córdoba-Espanha, e Alonso Lebrón, natural da Gran Canária, Espanha;

Considerando que quando chegaram referidos freis encontraram diversos espanhóis que já habitavam a aldeia indígena que aqui existia e que era conhecida como Mbiaça;

Considerando que, em expedição de 1537 comandada pelo espanhol Alonso Cabrera desembarcaram em Laguna cinco freis franciscanos, comandados pelo frei Bernando de Armenta e aqui se estabeleceram no início de dezembro de 1537, construindo uma igreja e diversas edificações para catequizarem os índios carijós que residiam no local, então conhecido como Mybiaça; onde o Frei Bernanrdo veio a falecer em 1547;

Considerando que os índios locais passaram a chamar o frei Bernardo de Armenta como “Payçume”, comparando-o ao apóstolo São Tomé, que séculos antes por ali teria passado e que ficou conhecido como “Zumé”;

Considerando que em 1º de maio de 1538, frei Bernardo escreveu a seus superiores espanhóis  uma anua comunicando que após construírem a igreja, casas de doutrina, internato para jovens índios e índias, além de casa para sua estadia permanente, conjunto este de rústicas  construções que formou o que denominaram de “Missão Franciscana de Mbyaça”, e que a mesma seria destinada a catequização dos nativos habitantes do local e de outras ladeias localizadas  na vasta região meridional, região esta que passou a denominar  como “Província de Jesus”;

Considerando que a carta de Frei Bernardo de Armenta, além de revelar a existência de uma aldeia que já aguardava ser civilizada na fé cristã, também fez uma solicitação ao Conselho das Índias em Sevilha, para que seja enviados lavradores, ferramentas, gado, sementes, e outros frades mais.

Considerando o ânimus de permanência civilizatória dos freis,  conforme fato documentado quando em  abril de 1538, em  resposta a expedição espanhola do Capitão Cabrera, que aportou em Laguna  para convencer Frei Bernardo para mudar-se para a incipiente Buenos Aires, o mesmo respondeu por escrito que “não poderia ser impedido de plantar a bandeira da nossa Santa Fé Católica onde  Deus manda seja plantada … e não há motivo que me obrigue, pois há mais razão de continuar a santa obra que tenho começado do que ir onde vai vossa senhoria…”

Considerando que a então aldeia de Mbyaça era o porto que os bandeirantes vicentistas utilizavam para aportar seus navios, que eram utilizados para o transporte de índios que eram aprisionados na região sul e que eram escravizados para trabalharem nas plantações e engenhos de cana-de-açucar da Capitania de São Vicente e Capitania de Pernambuco;

Considerando que Frei Alonso liderou o início uma campanha de protesto dos jesuítas contra a escravização dos nativos, apresentando-se diante das autoridades portuguesas advogando que os nativos não poderiam ser escravizados porque já estavam civilizados e devidamente batizados na fé-cristã;

Considerando que o Padre Manoel da Nóbrega, em uma anua que remeteu a sede da Companhia de Jesus relatou que Braz Arias, um português de São Vicente confirmou em depoimento, que na “Laguna do Biaça” estava habitada por vários espanhóis, além de muitos índios, e que de diversas outras aldeias vinham nativos para serem catequizados pelos freis espanhóis que lá haviam construído igreja e diversas casas;

Considerando que foi o próprio Padre Manoel da Nóbrega que registrou em um de seus relatórios anuais que “estes dois frades castelhanos, não há muitos anos, ensinam ao gentio desta costa, onde edificaram casa de recolhimento para mulheres como freiras e outras casas de homens como frades”;
Considerando que o frei Bernardo veio a falecer em Mbyaça no ano de 1546 ou 1547, sendo sepultado no interior da igreja que construiu;

Considerando que em atendimento a solicitação do frei Bernando, em 1549 a Coroa Espanhola organizou uma expedição com três navios que, por morte do seu comandante Juan di Sanabria, acabou sendo comandada por Juan de Salazar Espinosa, que trazia animais domésticos, agricultores, soldados, nobres e cerca de cinquenta mulheres destinadas a se casarem com os soldados de Assuncion;

Considerando que o terceiro navio ao chegar em Viaça, no mês de dezembro de 1549 afundou na entrada da Barra, e que todos sobreviveram, tendo aqui construído casas e um forte, onde muitas das mulheres se casaram, tiveram filhos;

Considerando que em 1552, pouco mais de três anos após terem aportado em Viaça, o capitão Juan de Salazar Y Spinoza escreveu uma carta, que assinou como tendo sido escrita na “Laguna del Embiaça”, que foi remetida ao vice-rei do Brasil, onde descreveu o naufrágio, as construções que fizeram, as dificuldades para subsistência e até a construção de um barco;

Considerando que esta carta foi o primeiro documento escrito em Laguna e que o mesmo se encontra preservado no Archivio General de las Indias, na cidade de Sevilha, Espanha e cuja cópia autenticada faz parte do acervo do historiador Adilcio Cadorin;      

Considerando que a pioneira missão evangelizadora dos freis espanhóis Bernardo de Armenta e Alonso de Lebron foi continuada pela expedição de 1549 Juan de Salazar Espinoza e após, de forma quase que contínua, nos quarenta anos seguintes aconteceram diversas outras expedições missionárias, sendo  que os pioneiros  freis espanhóis Alonso e Bernardo foram  sucedidos por freis portugueses enviados pelos reitores da Companhia de Jesus, inicialmente sediada no Rio de Janeiro e depois em São Paulo de Piratininga, havendo vasta prova documental dos estabelecimentos destas missões em Laguna com a presença dos jesuítas e padres   Domingos Garcia, Pedro Rodrigues, João de Almeida, Afonso Gago, Antônio de Araújo, Pedro Mota, Pero Rodrigues, Inácio Siqueira, Francisco de Morais e  Francisco Carneiro, sendo que alguns deles vieram a falecer e foram sepultados no interior da Igreja;

Considerando ainda a necessidade de ser mantido o reconhecimento dos trabalhos do bandeirante Domingos de Brito Peixoto, quer seja pelo povoamento português como também pelo rompimento e alargamento das fronteiras portuguesas fixadas pelo Tratado de Tordesilhas;

Considerando, ainda que diversas cidades a exemplo de Santo Ângelo, São Luiz Gonzaga, São Paulo e diversas outras cidades brasileiras consideram como data de sua fundação o momento da chegada e instalação de missões evangelizadoras patrocinadas pelos jesuítas e freis da Ordem dos Franciscanos ou da Companhia de Jesus;

Considerando os relatórios e as ânuas que se encontram nos arquivos da Companhia de Jesus e na Ordem dos Franciscanos, além dos documentos e registros históricos resgatados e reproduzidos nas obras que narram estes fatos épicos, destacando-se as escritas por Alice Bertoli Arns, Sergio Buarque de Holanda, Padre Manoel da Nóbrega, Aurélio Porto, Frei Jerônimo de Mendieta, Frei Serafim Leite, Frei Basílio Roewer e Adilcio Cadorin, se mostra historicamente correto a presente proposta de mudança da data de fundação de Laguna.