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Radialista mais antigo de Laguna deixará microfone após 59 anos

Tomar a decisão de pendurar o bloquinho de notas não foi fácil. Por motivos de saúde, ele vinha afastado das funções já há algumas semanas, enquanto se recuperava. O decano do rádio bem queria, mas a família concordou: está na hora de encerrar o programa e descansar.
Arquivo pessoal

Cazuza cantou, em declaração numa música, que existem amores que o destino traçou o rumo na maternidade. Isso se aplica a João Batista Cruz, 78, e o rádio. O radialista nasceu em 16 de fevereiro de 1946, apenas um dia depois da solenidade de inauguração da Rádio Difusora de Laguna, onde começou a carreira, já foi diretor e trabalha diariamente desde 2006. O comunicador prepara a sonhada aposentadoria em decisão que será oficializada no próximo dia 23.

Tomar a decisão de pendurar o bloquinho de notas não foi fácil. Por motivos de saúde, ele vinha afastado das funções já há algumas semanas, enquanto se recuperava. O decano do rádio bem queria, mas a família concordou: está na hora de encerrar o programa e descansar. Quando desligar o microfone, Cruz terá alcançado a marca de 59 anos de serviços prestados à comunicação, tendo passado pela Garibaldi e Litoral, de Imaruí, também.

“Estamos decididos a dar uma parada”, resume. Segundo Celso Fernandes, diretor da Difusora, a emissora planeja um programa especial para reconhecer o trabalho dele. “Uma forma de celebrar, não só a parceria com ele, mas também o radialista, já que este é o nosso mês”.

Cruz, ao lado de dona Carme, a esposa que o acompanha e que “puxa a orelha” quando ouve algum erro no programa ou o vê descuidando da saúde, vai aproveitar para descansar, ficar mais perto da família e eventualmente viajar para ver os parentes que ficaram no PR.

Auditório lotado

“Fiz shows com atrações regionais para mais de mil pessoas”, lembra o radialista. As fotos que guarda com carinho não o deixam mentir. Na década de 60, Laguna tinha duas opções de diversão: ir ao cinema ou assistir apresentações dos programas de rádio nos auditórios. Televisão? Já eram captados alguns sinais, mas era mais chuvisco que imagem. Batista Cruz começou no rádio nesta época, considerada como a era de ouro do rádio lagunense.

A Difusora tinha um auditório na sede, que ficava na praça Vidal Ramos, mas por muitas vezes precisou fazer uso do Cine Mussi ou do antigo Central. Três foram os programas que são até hoje lembrados por quem tem um pouco mais de cabelo banco: Tijolinho gamado, Com Batista a brasa mora e o Musicruz. “Movimentava a cidade inteira, as comunidades do interior vinham todas de ônibus para o Centro”, afirma.

Homem de jornal

Além do rádio, Cruz também colaborou com a imprensa escrita. Em 1993, editou o jornal Farol de Notícias, que não foi além desse ano. “Queriam o jornal de graça”, brinca sobre o motivo que levou a apagar a luz do impresso. Em paralelo, escreveu sobre esportes para alguns veículos da cidade e até 2017, manteve uma coluna no Jornal de Laguna, espaço que chamou de ‘No mínimo, interessantes…’, um resumo daquilo que levava para o rádio.

Batista Cruz em seu ‘Musicruz show’ – Foto: Arquivo particular de Carlos A. Horn

Recordações que ficaram

Batista Cruz estava no ar quando, em janeiro de 2020, maquinários puseram abaixo o prédio do antigo Centro Social Urbano. Não quis assistir, mas admitiu posteriormente que ficou chateado e magoado. Os mais novos não conheceram o espaço quando era movimentado. Parte disso se deve a ele e a esposa, que lideraram o Centro Comunitário do Progresso – a Roseta, como sempre reforçou. O local também tinha o lado assistencial. “Tinha um programa do governo que administramos aqui, que era o ‘Olha o Peixe’, que vendia quilos de farinha de mandioca, de mandioca, feijão, arroz e peixe – quase sempre era sardinha – ao preço de R$ 1 o quilo”, recorda.

Bordões

Existem radialistas que marcam pelo estilo, mas também por seus bordões. Cruz pode se orgulhar, está nas duas categorias. Seja pelo jeito de comentar as notícias ou pelas formas de improvisar quando algo sai do combinado. “Estou chegando nele”, afirmava no microfone, quando soltava a gravação – na linha 5 –, mas o áudio não começava para reproduzir a fala do entrevistado. São dele frases como: “Oiiiiii, Laguna”, “Ampliando a notícia”, “Um município inteiro de notícia” e “Gente amiga da Laguna”. Isso quando não se empolga e larga um “bom dia”, com a fala estendida: “bom diaaaaaa”.

Ídolo para a família

Marcelo e Márcio Cruz são os herdeiros de Batista e Carme. Os dois filhos têm o pai como verdadeiro ídolo e exemplo. “Todas as homenagens a ele sempre serão justas”, defende Marcelo, que hoje é ferroviário em Tubarão, e por muitas vezes compareceu ao microfone da rádio como um auxiliar para o decano.

Foto: Elvis Palma/Agora Laguna

Futebol é paixão

Dois são os amores de Batista Cruz no futebol. Ambos rubro-negros. O primeiro é o Flamengo-RJ e o segundo é o Athletico Paranaense, resultado da época em que viveu em Curitiba, capital do Paraná. Só que pouca gente sabe – e, infelizmente, quase não há registros – que o radialista também teve seus dias de jogador de futebol. Ironicamente, vestiu a camisa do Barriga Verde – o Periquito era o rival do antigo Flamengo de Laguna, o Dragão. “Eram clubes que a Laguna tinha que ter preservado”, ressalta.

‘Eu sou da Brinca Quem Pode’

Enquanto muitos tentam esconder seus amores para não transparecer numa transmissão, Cruz nunca fez questão disso. Criado na Roseta, desde pequeno sempre foi Brinca Quem Pode, escola de samba da qual chegou a fazer parte da diretoria. Colegas da Difusora contam que, por muitas vezes, o radialista deixou o microfone e foi sambar. “É que sou da Brinca Quem Pode”, justifica.

Presidente de honra

O clube União Operária, no Centro Histórico, completou 121 anos em fevereiro como símbolo de resistência. Na história da cidade, foi a primeira sociedade recreativa a abrir portar para a comunidade negra. Batista Cruz sempre se orgulhou desse fato e quando se referia ao clube, destaca com ênfase vibrante. Os demais sócios reconheceram isso lhe concedendo a presidência da entidade. Atualmente, a última diretoria formada passou a considera-lo como presidente de honra.

Urna aberta, notícia na certa

Em 1982, Batista Cruz já estava na direção da Difusora. A emissora havia sido adquirida pela família Freitas e pertencia à Rede de Comunicações Eldorado. O prestígio no microfone o influenciou a tomar uma decisão: se candidatar a vereador. Filiado ao antigo PDS, concorreu a uma das cadeiras e com 301 votos ficou suplente. Em 1988, aumentou a votação para 320, mas não chegou lá. A última tentativa foi em 1992, pelo PMDB, com 165 votos. Não chegou a assumir como vereador, mas sempre buscou cobrir os acontecimentos políticos da cidade. Vinda de presidente, governador, senador, deputado, posse de prefeito, vereador, secretário, renúncia, prisão, demissão, exoneração. Ele próprio teve a vivência do setor público: foi assessor de imprensa da prefeitura em vários governos.

Pelo rádio

“Minha primeira carteira foi assinada pelo major Pompílio Pereira Bento”, se orgulha ao contar a história do registro como funcionário na pioneira. Vale destacar que, apesar de ter sua imagem, ou melhor, sua voz, ligada à Rádio Difusora, Batista Cruz foi também funcionário da Rádio Garibaldi, onde apresentou os principais radiojornais da emissora e já atuou pelo microfone da Rádio Litoral.

Batista e os filhos Márcio e Marcelo. Foto: Arquivo pessoal.