Pedro Raymundo, 50 anos após sua morte, segue presente na música e na cultura

Pedro Raymundo é considerado um pioneiro que desbravou o meio artístico com as canções tradicionalistas, quando o rádio ainda era a principal forma de divulgação artística.

Poucos anos atrás, o músico Gaúcho da Fronteira recebeu o sertanejo Leonardo, em um palco de São Paulo. Era a comemoração do cinquentenário de vida artística. Ambos fizeram dupla na canção Adeus Mariana. Gravada pela primeira vez em 1943, a composição foi o principal sucesso e é até hoje responsável por manter presente a memória de um catarinense no cenário musical brasileiro. Um pioneiro que desbravou o meio, quando o rádio ainda era a principal forma de divulgação artística.

“Foi um conquistador de novos espaços, que fez a música gaúcha do Rio de Janeiro e eu também fui para lá […] Algumas pessoas que conheceram o Pedro Raymundo sempre me falam uma coisa, que eu sou até parecido com ele, pois sou barulhento no palco e dizem que ele era. Por gostar do repertório dele e ser uma música tradicional gaúcha, sempre a cantei”, comenta o cantor, que soma a sua gravação às versões de Tonico e Tinoco, Sérgio Reis e outros músicos que também regravaram a composição do catarinense. Este domingo, 9, assinala a passagem dos 50 anos da morte de Pedro Raymundo, ocorrida em Niterói (RJ), em 1973. Assista acima reportagem especial produzida por Agora Laguna.

Nascido em Imaruí, em 29 de junho de 1906, poucos anos depois de a antiga vila ter se tornado município, Pedro aprendeu a tocar sanfona por volta dos oito anos. Contava que aprendeu a tocar de ouvido e pegou o instrumento pela primeira vez escondido do pai, João Felisberto. Não largou mais.

Cedo foi para Lauro Müller até vir para Laguna. A música sempre o acompanhava, mas não era seu ganha-pão: trabalhou em vários empreendimentos e até mesmo na antiga Estrada de Ferro Teresa Cristina, onde se acidentou e ficou com deficiência em um dos polegares. Isso não o impediu de tocar sanfona, que precisou ser adaptada para compensar o problema. Na cidade juliana, integrou o grupo Choro Chorado e interpretava algumas valsas, músicas românticas e pequenos chorinhos.

“Foi muito importante”, resume o pesquisador Israel Lopes, de São Borja (RS), que já publicou dois livros sobre o artista e mais recentemente um sobre Teixeirinha. Em Laguna, montou um livro de ouro e com a contribuição das amizades que fez na cidade conseguiu o montante necessário para se mudar para Porto Alegre. “Um divisor de águas”, define Lopes.

Na capital gaúcha, era empregado da empresa pública Carris, que operava os bondes que circulavam pelas ruas. Ali, foi integrante do Jazz Carris e também do Cruzeiro, mas logo abraçou o folclore gaúcho. Nascia o Quarteto dos Tauras. “Era ele na gaita cromática, o Alemão no Pandeiro e o Zico e Osvaldo Serra nos violões. Eles tiveram uma participação na Rádio Farroupilha por quatro meses e depois firmaram contrato com a Rádio Sociedade Gaúcha”.

O sucesso de Pedro Raymundo o levou a buscar voos mais altos e no começo dos anos 40 já estava no Rio de Janeiro e cativara até a audiência do então presidente Getúlio Vargas. O político gaúcho, em 1945, tinha sido deposto e se retirara para o exílio em São Borja. Uma vez recebeu uma comitiva de jornalistas de outras regiões e em certo momento quis animar a conversa com música. Eles esperavam ouvir até mesmo canções eruditas, mas foram surpreendidos com uma pergunta: já ouviram falar de Pedro Raymundo?

Ocupando microfones das emissoras cariocas, como a potente Rádio Nacional, Pedro ficou conhecido em todo o país e até mesmo fez participações no cinema, em pelo menos dois filmes. Um deles é o Nobreza gaúcha, de 1958, onde ele aparece também canta. Marca registrada sua era a apresentação pilchado, como um autêntico gaúcho. Isso levou até mesmo o Rei do Baião, o pernambucano Luiz Gonzaga, a se inspirar e pedir para que sua mãe Santana providenciasse logo um traje para que ele também representasse o povo nordestino.

“Olha que coisa interessante: um gaúcho, de Santa Catarina, inspirou aquele que eu considero hoje em dia o maior artista brasileiro, o seo Luiz Gonzaga. Pedro Raymundo foi fundamental para o Rei do Baião, que logo depois passou a incrementar a sua indumentária”, comenta o pesquisador paraibano Paulo Vanderley, autor do livro multimídia documental Luiz Gonzaga – 110 anos de nascimento, lançado ano passado.

Pedro Raymundo morreu em 1973, já distante dos holofotes do passado, que se ocupavam dos movimentos musicais novos como a Jovem Guarda e a Tropicália. O artista se foi, mas sua obra continuou.

Pedro Raymundo em foto de arquivo. Divulgação

Em Imaruí, de geração em geração

Na família, o legado de Pedro Raymundo passa de geração em geração. Pedro Raimundo Sobrinho – com i ao invés do y – perpetuou a lembrança do tio e padrinho de batismo dando ao filho o nome de Pedro Raimundo Filho e quando seu neto nasceu, a criança também recebeu a homenagem honrosa.

O município também já quis trazer os restos morais do sanfoneiro para sepultá-lo em solo local. “No governo Amarildo de Souza, ele até queria trazer os restos mortais que estão enterrados no Cemitério dos Artistas, no Rio de Janeiro, fizemos o movimento, mas não deu em nada”, lembra o imaruiense, que foi vereador na cidade.

Na sua cidade natal, houve uma tentativa de nomear a praça central como Pedro Raymundo, mas a ideia não passou pelos vereadores. Mesmo assim, ainda há homenagens por ali. Uma delas é a semana municipal dedicada ao artista, onde as nove escolas da rede pública da prefeitura exercem a criatividade. Uns alunos dançam, outros se fantasiam, mas fazem mesmo é manter viva a memória do ilustre conterrâneo.

“Todas as escolas participam. Uma com menor engajamento e outras com maior, pois depende muito do calendário, mas é muito importante termos esse momento de resgate cultural. Temos outros ícones no município e é interessante que tenhamos outros projetos [nesse sentido]”, fala Sérgio Jeremias, secretário de Educação de Imaruí.

Tradicionalistas lá e cá lembram do pioneirismo

Um pouco mais distante, a cidade de Criciúma mantém um Centro de Tradições Gaúchas (CTG), que há 40 anos leva o nome de Pedro. “Conseguimos já várias conquistas com influência desde o passado para manter o nome e a tradição viva junto à cidade. Somos um dos maiores CTGs da sexta Região Tradicionalista. Ele é o precursor, o fundador e quem expandiu a tradição”, destaca o tradicionalista Davi Teixeira, patrão geral da entidade.

No Rio Grande do Sul, não há CTG com o nome de Pedro Raymundo, mas o Movimento Tradicionalista (MTG-RS) escolheu a passagem dos 80 anos de Adeus Mariana, para homenageá-lo ao lado das marcas do centenário de nascimento de Honeide Bertussi e dos cem anos da primeira gravação de Tio Bilia.

“A gente viu como era importante nesse ano de data fechada reverenciar esses gaiteiros, que fizeram tanto por nós e também os gaiteiros regionais, e a gente estimula que o pessoal faça trabalho todo o ano para reverenciar esses gaiteiros”, comenta o diretor de Pesquisa do MTG gaúcho, Jeandro Garcia.

Laguna guarda sanfona

Em vida, Pedro Raymundo fez a maior declaração de amor de um lagunista para a cidade de Laguna, com a gravação de Saudades de Laguna, uma valsa lançada em 1944. Os acordes da canção, inclusive, foram usados por Teixeirinha, outro potente nome do cancioneiro gaúcho, na homenagem musical Santa Catarina, gravada com Os Serranos. “Meu pai tinha uma amizade muito próxima com ele e acho que se inspirou em muitas coisas dele”, fala Teixeirinha Filho.

Cidadão Lagunense declarado assim pelos vereadores nos anos 70, Pedro Raymundo antes de morrer fez um pedido para que a sanfona cromática que lhe acompanhava fielmente nas apresentações fosse doada ao município para ser exposta no Museu Anita Garibaldi. Com previsão de reabertura do piso superior para o fim de julho, a supervisora de Patrimônio, Francielen Meurer, garante que uma das peças a serem exibidas será o instrumento.

“Seus discos, todos seus objetos, serão expostos no Museu Anita Garibaldi, no andar superior, na exposição de personalidades junto com Jerônimo Coelho”, antecipa ela, lembrando que a ideia é que o ambiente simule uma residência do século 19.

A escolha de Laguna para ser depositária da gaita em detrimento de Imaruí, seu berço; do Rio Grande do Sul, sua querência de coração; e até mesmo do Rio de Janeiro, onde alcançou o estrelato, faz emergir a ausência de homenagens mais fortes para o artista no município, cuja última lembrança foi na Semana Cultural de 2008. Não há praça nem rua com seu nome (veja errata ao fim do texto), mas para o Carnaval do ano que vem, uma homenagem já está no forno.

Em maio deste ano, nas comemorações dos seus 65 anos, a Vila Isabel anunciou a intenção de levar Pedro Raymundo para a passarela do samba. “Estava ouvindo Adeus Mariana e deu o estalo para homenagear, pois não é tão lembrado”, comenta o carnavalesco Marlon Barbosa. “Já estamos escrevendo a história, pois pegamos elementos até com base nos relatos familiares e temos contato direto com a família, onde iremos extrair a nossa criatividade”, completa Thiago Laurindo. Questionado, Pedro Sobrinho garantiu que fará parte do desfile: “Devagarzinho ainda vai”, brinca.


ERRATA: Ao contrário do informado inicialmente, Pedro Raymundo – com ‘i’ no lugar do ‘y’ – é homenageado com nome de rua no bairro Mato Alto, segundo lei nº 8, de 1980.