Expectativas positivas para temporada de baleias-francas na região

Gigantes que dão um show à parte, as baleias-franca se converteram em um dos símbolos da região litoral catarinense, especialmente na costa das cidades de Laguna, Imbituba e Garopaba, e próximo da abertura de temporada de avistamento dos mamíferos, as expectativas são as melhores possíveis.

Essa aproximação das baleias com o litoral, acontece porque elas deixam a Antártida, em busca de águas mais quentes onde podem cumprir seus processos de reprodução e amamentação de filhotes (veja mais adiante). A observação desses mamíferos é considerada uma prática de ecoturismo e também começa a ser vista como uma alternativa aos impactos causados pelo coronavírus no setor de turismo.

Nessa época do ano, Júlio César Vicente se anima. Guia de turismo com atuação há mais de 15 anos na área de observação de animais concorda que a temporada de baleias irá oxigenar o setor.

“A tendência do turismo é natureza, é céu aberto. A expectativa é muito boa. Com a pandemia do coronavírus, o turismo doméstico e regional tende a aumentar, já que as pessoas não vão viajar para lugares distantes por receio. O que vai acontecer? As pessoas vão para perto, ver a cidade vizinha ou seu próprio município e isso vai crescer gradativamente”, prevê.

Vicente avalia que o futuro do turismo está na natureza. A afirmação também vai ao encontro do pensamento da analista do Sebrae no Sul de Santa Catarina, Juliana Ghizzo. “Não só o ecoturismo, como o turismo de base comunitária vem ao encontro do novo comportamento de consumo – o consumo consciente –, e isso nos leva acreditar que temos um mercado importante para ser aproveitado”, diz.

O Sebrae é um dos principais fomentadores da Rota da Baleia Franca (RBF), que agrupa os principais agentes de turismo de Laguna, Imbituba e Garopaba, que, juntos, avaliam e criam estratégias para a temporada dos mamíferos na costa. “Sabemos que será uma temporada difícil por conta da pandemia, mas entendemos no turismo regional uma forma de gerar fluxo na rota”, acrescenta Juliana.

Municípios adequam planos para a situação atual

“Os planos de turismo são definidos com planejamento antecipado; este ano, houve a pandemia do coronavírus que pegou muita gente de surpresa, como será a adaptação à nova realidade? Cada município já está refazendo a atualizando o plano, com a ajuda do Sebrae, encontramos uma premissa que não estava prevista (pandemia) e isso impacta e toda a forma de atuação”, afirma Juliana.

Em Laguna, a Secretaria de Turismo e Lazer começou nesta semana a deflagrar seu plano de retomada turística, dentro das bases lançadas pelo Ministério do Turismo (MTur), que criou o programa Turismo Responsável. As estratégias pós-pandemia também incluem a observação de baleias.

“Acreditamos que será um grande ano com um número expressivo de baleias. Temos trabalhado também com a abertura de trilhas ecológicas, que já são todas mapeadas por satélite e esperamos que tudo dê certo, para que o turismo volte a crescer”, torce Evandro Flora, gestor da pasta no município.

O turismo de observação das gigantes permite que o turista também desfrute da cultura local e entre em contato com as tradições existentes em cada local. Isso também motiva as outras cidades da RBF, como Garopaba. De acordo com a secretária de Turismo de Garopaba, Lisiele de Araújo, a chegada das baleias-francas é o pontapé inicial para o plano de retomada turístico do município, que deve ser lançado nas próximas semanas.

“Nossa maior preocupação é quanto à segurança sanitária para a população e aos nossos visitantes. Estamos planejando ações para oferecer um Turismo seguro, seguindo todas as normas técnicas de proteção exigidas pela saúde”, adianta Lisiele.

Foto: Carolina Bezamat/SCPar Porto de Imbituba

Cuidados com a contaminação

A retomada gradativa do turismo nas cidades, a partir desta prática mais sustentável, também requer cuidados para evitar a proliferação da Covid-19, doença respiratória causada pelo coronavírus. “As atividades de ecoturismo são de grandes procuras, mas devemos seguir todas as restrições e orientações dos órgãos de saúde”, indica Juliana.

Júlio Vicente garante que o setor de turismo monitora o avanço da doença e também está tomando alguns cuidados em relação à prevenção dos profissionais e principalmente dos turistas.

“Saíram medidas protetivas para guias, que vão usar álcool em gel, usando máscara e praticar o distanciamento social. Os passageiros vão usar seus próprios veículos e quando caminharem, será em espaço aberto com distância. Também vamos usar microfone amplificador”, detalha Vicente.

A Agência do Desenvolvimento Turístico de Santa Catarina (Santur) também aponta para a necessidade dos cuidados. “Pouco a pouco as atividades relacionadas ao turismo estão sendo retomadas e é fundamental que todos sigam os protocolos de segurança”, diz o presidente da autarquia, Leandro Ferrari.

Foto: Eduardo Renault/Instituto Australis

Monitoramento continua em 2020

Quem também alimenta esperanças de presença maior de baleias na costa das cidades da RBF é o setor ambiental. O Instituto Australis (IA) diz que o número de avistamentos varia, acompanhando fatores como a disponibilidade de alimento para as baleias na Antártida, que influencia na quantidade de mamíferos que procuram os mares brasileiros.

Segundo a diretora de pesquisa do Australis, Karina Groch, isso dificulta a previsão de quantas baleias podem ser avistadas no ano. “Em 2017, tivemos um número de baleias abaixo da média em nosso litoral (a média tem fica em torno de 100 animais) e em compensação, em 2018, tivemos um recorde histórico, com 273 baleias-franca avistadas durante o sobrevoo no pico da temporada, em setembro”, lembra.

Ano passado, o número ficou abaixo da média. “Esperamos que este ano seja melhor, mas precisamos aguardar a chegada das primeiras baleias, para poder avaliar melhor”, completa.

O avistamento permite que sejam obtidas mais informações sobre a espécie Eubalaena australis. Em Laguna, por exemplo, o Laboratório de Zoologia (Labzoo) da Udesc é responsável por um projeto de pesquisa para avaliar o impacto do turismo de observação embarcado na região da cidade juliana.

“A proposta que temos na Udesc é estudar essa interação das baleias com a prática, saber se existem malefícios e benefícios. Como a prática ainda não pode ser viabilizada estamos avaliando questões comportamentais seguindo protocolo acordado com todas as instituições”, esclarece o professor Pedro Castilho, coordenador do Labzoo. Em agosto de 2019, os alunos da universidade registraram um salto de baleia. Assista abaixo:

Nos últimos 12 anos, o monitoramento na região litoral também foi ampliado através de parceria entre Australis, SCPar Porto de Imbituba e Acquaplan, para executar viagens de acompanhamento aéreo e terrestre para visualizar os animais.

“O programa é realizado através de monitoramento terrestre, que ocorre durante todo o período reprodutivo das baleias, a partir de dois pontos de observação próximos ao porto: nas enseadas das praias do Porto e Ribanceira. Há também o monitoramento aéreo, abrangendo toda a área da APA da Baleia Franca em três sobrevoos, para avistamento e a contagem das baleias. São desenvolvidas, ainda, ações educativas voltadas aos tripulantes dos navios que circulam na área do porto e das embarcações de apoio portuário”, detalha a autarquia portuária.

As ações de monitoramento ocorrem entre julho e novembro. Em média são avistadas entre 60 e 100 baleias, porém o ciclo das baleias-franca no litoral brasileiro é de 3 anos. Isso significa que as baleias avistadas ano passado não serão as mesmas que estarão no litoral em 2020.

Nesse ano, segundo Karina, o instituto vai desenvolver um novo projeto de pesquisa. “Será sobre ecologia alimentar das baleias, que envolverá saídas embarcadas para coleta de amostras de pele. Essa pesquisa será realizada normalmente”, diz.

Pesquisas sobre as gigantes

Apesar da pandemia, o trabalho de pesquisa não irá parar. Castilho diz que planeja continuar com o projeto de monitoramento local, a princípio com os universitários que residem em Laguna. “Temos que tomar cuidado para não virar uma armadilha de contaminação desnecessária”, alerta.

O centro de ensino se prepara para a volta de atividades presenciais e esse projeto estaria incluído nas ações práticas, liberadas por decreto estadual. “O interesse é voltar, mas sempre colocaremos a vida humana em primeiro lugar antes de tomar uma decisão”, frisa.

O Australis também foi atingido pelas medidas restritivas. O centro de visitação foi fechado, levando o instituto a apostar em transmissões ao vivo pela internet para compartilhar o conhecimento com o público em geral. “Não precisa sair de casa para ficar por dentro das nossas ações de pesquisa em prol da conservação da única espécie de baleia ameaçada de extinção, que se reproduz em águas brasileiras”, descreve a diretora de pesquisa. A LiveFRANCA, como é denominada, é transmitida pelo perfil @institutoaustralis, às quintas feiras às 17 horas.

Outra iniciativa do instituto seria um trabalho de educação ambiental junto às escolas das cidades da RBF, que serão retomadas quando houver a volta das aulas presenciais. Em junho, o IA também vai fazer curso online com guias e condutores ambientais.

Baleias ‘fogem’ do frio

O comportamento das baleias é sazonal. Todo ano, as gigantes deixam as águas mais polares, procurando a região equatorial. “Isso se dá por dois motivos: para fugir dos períodos mais frios e, no caso das francas, para ter seus filhotes”, descreve Castilho.

O pesquisador descreve que a maior parte das baleias que procuram o litoral de Santa Catarina são mamíferas prenhas, que buscam por águas mais quentes e tranquilas. A formação geográfica das praias catarinenses, geralmente em forma de enseada, favorece essa escolha.

O pico de avistamento é setembro, segundo Castilho, que se baseia em dados históricos levantados nos últimos 20 anos pelo IA. O professor descreve a região como um berçário natural.

“As baleias-francas vem nesse processo migratório na parte mais próxima das praias, enquanto que os outros indivíduos como fêmeas não grávidas e machos fazem o deslocamento mais distante da costa”, completa Castilho.

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