Novembro de 1989. O Brasil queria saber quem seria o novo presidente, o mundo como ficaria após o fim do muro de Berlim, e em Laguna, Clodoaldo de Bem estava na dúvida: que horas a luz vai voltar? Era a inauguração do bar dele, no entorno da pracinha do Magalhães, e a energia havia sumido. Quem pode pensar que foi um azar, se engana.
Para não perder o freguês, velas foram acesas e colocadas em cada uma das caçapas da mesa de sinuca que tinha por ali. Acabou criando um clima sombrio. Ao ver aquela cena, um disse em voz alta que parecia o necrotério do hospital. Não deu outra: da simples brincadeira estava batizado o mais famoso bar lagunense.
“Adotamos o nome mesmo por volta de março de 1990 e se tornou referência”, lembra o proprietário. Para se ter uma noção, o bar lagunense já foi citado em matérias de jornais não só da cidade, mas também de fora de Santa Catarina – na parede do local, um amarelado exemplar da Tribuna Lagunense é testemunha da história do bar, que também virou manchete do Agora Laguna impresso nesta semana. O tom humorado é o mesmo que fez o estabelecimento virar meme nas redes sociais “Temos várias histórias e passagens ao longo desses 35 anos”, destaca Clodoaldo.
Tem quem não entre por causa do nome, mas tem também aqueles que, por curiosidade, param para conhecer e fazer uma foto, principalmente turistas. É que entre um gole aqui e um tira-gosto ali, o bar se tornou ponto de encontro para amizades antigas ou novas que surgem em suas mesas à noite ou durante o dia – principalmente quando reunidos em volta do Crematório, como é apelidada a churrasqueira do local e onde foi assada a carne da festa de sábado, 16. Nesse dia, Clodoaldo e a família vão abrir as portas para comemorar o aniversário do bar.
O batismo
O autor do nome “Necrotério” foi Joneci Cândido, conhecido por Sargento Joneci, falecido em junho de 2013, aos 73 anos. Cândido, que no Carnaval ficou conhecido pelas fantasias criativas, comparou o local à sala mortuária porque estava à luz de velas e também pelo espaço pequeno. Como todo bom apelido, pegou.
Famoso na web
Com a internet e a era dos memes, não é de se espantar que o Necrotério apareça volta e meia em uma rede social. Sempre vem acompanhado da brincadeira. Ela pergunta: “Amor, onde você está”. E ele responde: “Estou no Necrotério”. Mais que uma propaganda, é a confirmação que a zoação de Joneci Cândido deu resultado.
Ponto de encontro
O professor Geraldo Tavares, mais conhecido pelo apelido Gelatina, se orgulha de frequentar o bar desde a época da inauguração. Não é funcionário de campo-santo, mas tem a missão de cuidar do Crematório e garantir o ponto da carne, como na comemoração do dia 16. “Aqui o pessoal vem pelas amizades, não tem bagunça, mas tem sempre uma carninha”, brinca. Para ele, o Necrotério já é um “marco turístico”. “O que para gente aqui é uma loucura”, descreve.
Solidariedade viva
Nem só de cerveja e carne assada vive o bar, a solidariedade também pula nas veias de seus frequentadores que não se escondem quando a necessidade bate à porta. Foi assim, por exemplo, na época da pandemia do novo coronavírus. O Necrotério reuniu donativos que foram repassados para o ILPI Asilo Santa Isabel, entidade ‘vizinha’ que funciona no Magalhães.
A caminho do Necrotério
O título acima pode parecer macabro, mas é um convite para celebrar a amizade e a história de um bar que resiste ao tempo graças à alegria e a harmonia entre seus frequentadores, segundo Clodoaldo. O endereço do Necrotério não tem erro: é a praça Sousa França, a pracinha do Magalhães. Para ficar ainda mais fácil de encontrar, basta procurar pelo imóvel branco que tem fantasmas, a morte e outros elementos sombrios pintados. Não paga para entrar, mas não vale deixar fiado na saída.