Leia a íntegra do relatório que pede cassação do prefeito de Laguna

Relatório foi apresentado pelo vereador Rodrigo Bento (Podemos) na condição de relator da CP e teve voto acompanhado pelo edil Luiz Otávio Pereira, o Tavinho (PL). O documento pede a cassação do prefeito Samir Ahmad (sem partido) e absolve o vice Rogério Medeiros (PSD) das infrações político-administrativas.
Foto: Sidnei Silva/Câmara de Laguna/Divulgação

A Câmara de Vereadores fará uma sessão extraordinária, na próxima sexta-feira, 3, a partir das 18h, para votar o relatório da Comissão Processante (CP) que apurou a falta de respostas a mais de 80 requerimentos solicitados pelo Poder Legislativo. Veja relatório e voto contrário ao fim do texto.

O relatório foi apresentado pelo vereador Rodrigo Bento (Podemos) na condição de relator da CP e teve voto acompanhado pelo edil Luiz Otávio Pereira, o Tavinho (PL). O documento pede a cassação do prefeito Samir Ahmad (sem partido) e absolve o vice Rogério Medeiros (PSD) das infrações político-administrativas.

A denúncia foi apresentada pelo advogado Gilberto Mello Pinho em fevereiro deste ano, no reinício dos trabalhos legislativos. “Trabalhamos durante três meses a finco. Demos os prazos e andamentos corretos seguindo a Lei Orgânica e o Regimento Interno da Câmara”, resume Bento. “É importante destacar que o resultado disso se baseia no decreto-lei 201, de 1967, principal vertente da denúncia”.

O presidente do órgão, Jaleel Farias (PSD), apresentou posição contrária, com voto registrado em documento. Para o vereador, prefeito e vice devem ser absolvidos. “Usando da minha prerrogativa fiz um voto separado para que pudéssemos levar a plenário e discutir com os demais vereadores”, justifica. Para o relatório ser aprovado são necessários nove votos (maioria qualificada).

Leia a íntegra do relatório de Rodrigo Bento

“O senhor Gilberto Mello Pinho, brasileiro, casado, advogado protocolou na Câmara Municipal de Vereadores desta cidade, denúncia por Infração Político Administrativa contra o Prefeito Municipal Senhor Samir Azmi Ibrahim Muhammad Ahmad e também, o vice Prefeito Senhor Rogério Medeiros. Os vereadores durante Sessão Ordinária, decidiram aceitar a denúncia  e foi formada uma Comissão Processante e em seguida,  por meio de sorteio, foi constituída pelos seguintes membros: Jaleel Farias (PSD, presidente), Rodrigo Bento (Podemos, relator) e Luiz Otávio Pereira (PL, membro) conforme resolução 002/2024.

A denúncia é baseada no inciso III do art. 4º do Decreto Lei 201/67:

Art. 4º São infrações politico’administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Camara de Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:

III – Desatender, sem motivo justo, as convocações ou os pedidos de informações da Câmara, quando feitos a tempo e em forma regular;

E na Lei Orgânica do Munícipio, na seção II DAS ATRIBUIÇÕES DO PREFEITO no  Artigo 68:

Art, 68 Compete privativamente ao Prefeito, além de outras atribuições previstas nesta Lei Orgânica:

XVII – prestar à Câmara Municipal as informações solicitadas no prazo de 30 dias, na forma estabelecida por esta Lei Orgânica;

O fato principal da denúncia é 27 de novembro de 2023, quando o denunciante requereu ao Presidente da Câmara de Vereadores de Laguna esclarecimentos sobre os pedidos de informação feitos pela casa legislativa que não foram respondidos pelo Prefeito ou o Vice, quando em exercício como Prefeito. E com base na resposta da presidência da Câmara de Vereadores, é possível constatar que 84 REQUERIMENTOS NÃO FORAM RESPONDIDOS em 2023. Ou seja, foi possível constatar 84 ausências de pedidos de informações ´sem motivo justo´. A maioria delas foi praticada pelo Prefeito, enquanto o Vice, como Prefeito em exercício, praticou uma parte das infrações.

A partir da instauração da comissão, o prefeito senhor Samir Azmi Ibrahim Muhammad Ahmad e o vice Prefeito Senhor Rogério Medeiros foram notificados e apresentaram suas defesas-prévias. Em todo o processo a Comissão sempre respeitou os prazos legais.

No dia 25 de março de 2023, após reunião da Comissão Processante, foram intimados os denunciados e o denunciante para apresentarem suas razões finais escritas, no prazo de 5 (cinco) dias, nos termos do Art. 5°, V, do Decreto-Lei n. 201/67.

Ao analisar o processo, constatei que dos 84 requerimentos não respondidos no prazo regimental, verifico que houve infração politico-administrativa pela não resposta de diversos requerimentos sem qualquer motivo justo declarado.

Requerimentos esses e suas quantidades que foram solicitados pelos seguintes vereadores:

 

Vereador (a)Total de Requerimentos
Luiz Otávio Pereira18
Deise Daiana Xavier Cardoso26
Nádia Tasso Lima2
Kleber Roberto Lopes Rosa14
Anderson Silveira de Souza6
Rodrigo Bento9
Rhoomening Souza Rodrigues7
Jaleel Laurindo Farias7
Edi Goulart Nunes4
Hirã Floriano Ramos4
Gustavo Cipriano21
Patrick Mattos de Oliveira2
Eduardo Nacif Carneiro1

 

Se somarmos todos os vereadores e os requerimentos que foram apresentados tendo como autores mais de um legislador, chegamos ao número de 121 ausências de respostas. Ainda segundo a denúncia e confirmada por este vereador, excluindo os requerimentos que o Vice deixou de responder quando era o Prefeito em exercício, restaram 72 requerimentos que não foram respondidos pelo Prefeito Samir Ahmad, conforme consta na certidão emitida pela Câmara.

Veja bem, a publicidade é um dos princípios basilares da atividade administrativa pública (art. 37 da Carta Constitucional) e é exatamente a fiscalização e o controle dos atos do Executivo uma das principais tarefas reservadas pela Constituição Federal ao Poder Legislativo (art. 49, X, da Carta Constitucional), mostra-se gravemente ofensiva a atitude do Prefeito e contrária à legalidade e ao dever de lealdade às instituições, de forma reiterada e sem motivo justo, desatender os pedidos de informações levados à sua Excelência relativos aos atos da administração municipal.

O que nos deixa ainda mais perplexos em relação ao fato do Prefeito Municipal  não respeitar a câmara de vereadores e as informações solicitadas, no curso dessa Comissão Processante, o denunciado continua praticando, sem motivo justo, ato ilegal, desrespeitando a Camara de Vereadores de Laguna e a Populaçao Lagunense. Venho trazer como exemplo o Requerimento 020/2024 de 15 de fevereiro de 2024:

“Na forma regimental, depois de ouvido o Plenário e, se aprovado, REQUEIRO seja encaminhado ao: Exmo. Sr. SAMIR AHMAD – Prefeito Municipal, a seguinte proposição:

Solicito a Vossa Excelência, que encaminhe a Secretaria de Saúde, para que possam enviar a Esta Casa Legislativa, cópias da quantidade de cirurgias bariátricas, realizadas com encaminhamento da Secretaria de Saúde, na gestão do atual Prefeito Samir Ahmad.

JUSTIFICATIVA: No intuito de esclarecimentos, cabe aos vereadores o trabalho de fiscalizar e apresentar para a população lagunense.

Sala das Sessões, em 15 de fevereiro de 2024.”

A resposta do referido requerimento foi enviada apenas no dia 12 de abril de 2024!! É inadmissível levar tanto tempo para responder um requerimento. Diz a Lei Orgânica do Municipio que o prefeito tem 30 dias para responder os requerimentos. O Decreto-Lei ainda afirma que a infraçao politico-administrativa ocorre apenas caso não tenha um motivo justo. Questionamos então, qual foi o motivo justo para tal demora… Não existe! A Câmara de Vereadores vem sendo reiteradamente desrespeitada pelo Prefeito Municipal!

A própria defesa do Prefeito Municipal apresenta inconsistência em sua afirmação quando afirma:

“Cabe destacar que jamais houve omissão por parte do denunciado no que diz respeito tomar as providências e consequentemente desatender, sem motivo justo, as convocações ou os pedidos de informações da Câmara, quando feitos a tempo e em forma regular.”

Pois bem, novamente mencionamos o Decreto-Lei 201/67 é uma lei federal que trata das responsabilidades dos prefeitos e dos vereadores. Essa norma une direito material e direito processual, ou seja, ela nos traz os motivos (os assuntos, as matérias) pelos quais um Prefeito pode ter seu mandato cassado, e estabelece as diretrizes e procedimentos que a Casa Legislativa deve adotar (o processo) diante de atos infracionais que poderiam levar à cassação de mandato. Apesar de o nosso ordenamento jurídico atual não admitir a criação de novos Decretos-Leis, alguns deles seguem válidos (em vigor), o que é o caso do Decreto-Lei 201/67. Portanto, devemos observar o cumprimento dessa norma sim, diante da abertura de uma comissão processante para julgar os atos (ou a ausência desses atos) perante a Câmara de Vereadores.

Afirma o denunciante em suas alegações finais que:

“Nobres vereadores, reparem no grifo em “sem motivo justo”. Durante todo o procedimento o Prefeito denunciado não apresentou um motivo que justificasse a falta de resposta dos requerimentos. Ou seja, até na defesa o Chefe do Poder Executivo se omitiu em apresentar as motivações que o levaram a deixar de responder às 72 solicitações da Câmara de Vereadores. Ao final, o Prefeito denunciado argumentou na importância em considerar as graves consequências da cassação para a administração pública municipal. Arguiu que tal medida poderia ser interpretada como uma desestabilização política motivada por interesses eleitorais, o que contraria princípios democráticos de estabilidade e continuidade administrativa.”

Em resumo, não foi apresentado a esta casa, a justificativa na defesa do denunciado senhor prefeito, os motivos de não responderem no prazo de 30 (trinta) dias, as informações solicitadas via requerimento aprovado pela câmara municipal de vereadores.

O jurista Alexandre de Moraes, magistrado atual ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral afirma em um recorte na obra literária “Julgamento de Prefeitos e Vereadores da escritora Edilene Lôbo” que:

“…não conhecemos uma única forma de união federativa contemporânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização política e jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da definição constitucional do novo modelo implantado no país com a Carta de 1988.”

Ainda na mesma obra literária, conseguimos enxergar uma afirmação histórica das responsabilidades do poder executivo perante a lei;

Na Constituição da República, de 1891, o artigo 82 previa: “os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem, efetivamente, seus subalternos”. Em 1917, o artigo 15 do Código Civil previa, nitidamente, a responsabilidade subjetiva do Estado. A Constituição de 1934, artigo 171, dá conta da responsabilidade solidária do Estado e do servidor culpado, no que foi seguida pela Constituição de 1937. Acolhendo a teoria do “risco administrativo” e revogando o artigo 15 do Código Civil, a Constituição de 1940, finalmente, inaugura a responsabilidade objetiva. “

Importa, aqui, avaliar a responsabilidade dos agentes políticos municipais, sabendo-se que, no exercício das prerrogativas de suas funções públicas, eles fazem uso do poder, o qual deve ser exercido moderadamente e sem abuso, o que de fato não é o que tem acontecido em Laguna. Usar normalmente o poder é empregá-lo, segundo as normas legais, a moral da instituição, a finalidade do ato e as exigências do interesse público. Abusar do poder é empregá-lo fora da lei, sem utilidade pública. Afinal, o sentido do uso do poder é a satisfação do interesse coletivo.

Por fim, senhor presidente,

Após analisar a denúncia, as defesas dos denunciados, respeitados os prazos legais desta Comissão Processante, na qualidade de relator, voto no sentido de que ocorreu por parte do denunciado Prefeito Municipal Senhor Samir Azmi Ibrahim Muhammad Ahmad, infração político-administrativa disposta no inciso III do art. 4º do Decreto Lei 201-67, por deixar desatender, sem motivo justo, pedido de informações da Câmara de Vereadores.

Já em relação ao vice prefeito, Rogério Medeiros, voto no sentido de que a ausência de algumas resposta pelo período que fazia as vezes do Prefeito, deve ser considerado um motivo justo pela ausência de algumas resposta, não caracterizando nesse momento uma infração político-administrativa.

Em resumo, voto pela cassação do Prefeito Municipal Samir Azmi Ibrahim Muhammad Ahmad e pela absolvição do Vice Prefeito Municipal Rogério Medeiros.”

Leia o voto contrário

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