Quando chega junho, seo Antônio Palma, 87 anos, aproveita para dar uma caprichada a mais na limpeza do preservado Volkswagen Gol, ano 1980. Desde que foi sorteado na rifa de Santo Antônio dos Anjos daquele ano, o carro participa da procissão motorizada em homenagem ao padroeiro. São mais de quatro décadas acompanhando o rito religioso, tanto que já virou símbolo da transladação. Contudo, em 2022, esse roteiro será diferente.
O veículo não tem os recursos tecnológicos que os mais novos modelos têm, mas está totalmente conservado e tem até motor refrigerado a ar com ignição eletrônica. Agora explicaremos o motivo de fazer uma propaganda boa do Gol 80. É que depois de quase meio século com o controle do volante em suas mãos, seo Palma decidiu passar o veículo para frente. E tem uma razão por trás disso. Um verdadeiro exemplo de devoção ao padroeiro do município.
Mas antes, vamos voltar no tempo. Em 1980, quando o Gol foi sorteado, o Brasil tinha como presidente João Baptista Figueiredo e Laguna era comandada pelo prefeito Mário José Remor. A cidade tinha duas rádios (entre elas, a Garibaldi) e as informações vinham impressas em O Renovador, aos sábados. Internet? Era coisa de ficção científica. Celular? Também. Televisão? Muito chuvisco e pouca imagem.
O carro fazia parte da premiação da rifa tradicional do padroeiro. O premiado foi Agenor Brum. Depois, o veículo foi comprado pelo padre Antônio Herdt. Mais uma venda, agora para Lindomar Farias. Essas trocas de proprietário ocorreram em menos de dois anos até chegar às mãos de Antônio Palma.
“Comprei do vizinho Lindomar que morava na rua dos fundos com a minha casa. Foram mais de 40 anos cuidando. Está totalmente original”, assegura Palma, que relembra que foi no Gol 80, onde os filhos Éder e Elvis aprenderam as noções de direção. É deste último, a assinatura nos cliques que tornaram a história do veículo conhecida. Em toda transladação motorizada, lá estava o carro branco, o mais brilhoso e mais conservado. Ao lado do condutor, a fiel companheira de vida, Marisa. Virou praxe receber a bênção dos párocos da matriz desde então.
Chegamos ao ponto final dessa viagem. A decisão de abrir mão do xodó do patriarca da família Palma não foi por problema mecânico, por enjoar de andar no veículo ou porque achou um modelo mais novo. Foi por uma promessa ao padroeiro e em resposta à uma graça alcançada para um familiar muito próximo, que o zeloso proprietário decidiu entregar à Matriz Santo Antônio. “Ele veio aqui deixou os documentos, já estão com o pároco, que foi até a residência do casal para entender a história e abençoá-los. E agora o carro ‘é de Santo Antônio'”, resume o ex-provedor da Irmandade de Santo Antônio dos Anjos, Leonardo Demétrio.
A igreja estuda a forma de fazer a rifa, mas já planeja vender os bilhetes a partir do dia 1º de junho, quando as trezenas iniciarem. A única regra exigida pelo doador é que 10% do valor arrecadado seja doado ao asilo e outros 10% sejam aplicados na aquisição e distribuição de cestas básicas através da matriz. Ao futuro proprietário, a orientação do ex-dono é: “Que cuide com carinho desse veículo que fez parte da minha vida por 40 anos”. Quem será o sortudo dessa vez? Só a sorte e a fé no padroeiro irão dizer, mas não custa relembrar a reza que diz “se milagres desejais, recorreis a Santo Antônio”.
