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365 dias: onde está Diego Scott?

A família organizou para este sábado, 15, uma missa de um ano em memória do ex-jogador de futebol amador. A celebração religiosa será às 20h, na Igreja Matriz Santo Antônio dos Anjos.
Foto: Família Scott

“Um ano depois continua a mesma coisa: angústia e tristeza”. É desta forma que Alexsandra Joaquim, 42 anos, resume o intervalo entre a sexta-feira, 15 de janeiro de 2021, e este sábado, 15 de janeiro de 2022, quando o sumiço do seu esposo, o pescador e jogador de futebol amador Diego Bastos Scott completa o primeiro ano.

O desaparecimento ocorreu numa sexta-feira à tarde. Assim como em outras ocasiões anteriores, em uma discussão familiar, a Polícia Militar (PM) foi acionada para apartar a situação. Era uma situação recorrente. Em casos anteriores, Scott era acalmado pelos policiais e liberado horas depois. Não chegava a ir preso – exceção apenas quando houve agressão à mulher.

Naquele dia em específico foi diferente. E foi um desencontro de versões que fez o caso ganhar contornos misteriosos, duvidosos, e, deixar várias questões que ainda permanecem em aberto. A família tenta voltar à normalidade, mas a falta de respostas e ausência do pescador deixa pais, irmãos, esposa e filho desnorteados.

A versão dos Scott diz que os PMs foram chamados, conversaram com a família e saíram. “Ainda perguntei: ‘Vocês vão prender ele?’, e eles disseram que não”, relata Alexsandra. O boletim de ocorrência da ação policial constava que Diego Scott havia “evadido”, isto é, saído do local. Como ao final do dia ele não havia retornado para casa, a esposa entrou em contato com a delegacia, que disse não haver registro da condução do homem ao local e buscou informações com o batalhão policial, que começou a procurá-lo. Sem sucesso.

O caso começou a evoluir porque, diferente da versão do boletim, Scott foi visto em frente à casa, e colocado dentro da viatura. Uma câmera de segurança filmou a cena. Com a nova versão, duas investigações foram abertas: uma na Polícia Militar, para analisar a conduta dos policiais. E outra na Polícia Civil, para apurar o desaparecimento.

Confrontados com as imagens, os policiais mudaram seus depoimentos. Agora Laguna revelou essa contradição, com exclusividade, em fevereiro do ano passado. As versões estão em terceira pessoa por terem sido registrados por meio de uma escrivã.

Um dos militares disse que já conhecia o desaparecido “pelo fato de ser usuário de drogas e também de ter atendido várias ocorrências na casa do mesmo”. No mesmo dia, mais cedo, a polícia havia sido chamada na residência. O agente diz que o pai de Diego e a mãe, Maria da Graça, foram orientados a representar contra o filho e pedir medida protetiva, mas não quiserem seguir adiante.

Um dos PMs diz que percebeu que o nariz de Edson Scott, pai de Diego e ex-jogador profissional, estava sangrando. Alexsandra nega. “Quando saíram da casa, observaram que Diego estava gritando na esquina. Que colocou no boletim de ocorrência que Diego não estava no local porque quando lavraram o procedimento, ele já havia saído”, registra o depoimento deste policial. O relato prossegue com a informação de que o BO foi lavrado na casa de Edson Scott e que ao sair do local, não havia sinal do desaparecido. Segundo o policial, a guarnição teve de retornar à residência para entregar ao pai um documento que havia permanecido em posse dos agentes, mas ele não estava lá, apenas uma mulher. “Não viram mais Diego ao longo do turno de serviço”, diz trecho do relato.

Buscas e investigações

Por conta própria, a família começou a fazer buscas na região do Gi, onde os policiais disseram que teriam deixado Scott. Mas sem sucesso. A Polícia Civil também fez o mesmo.

Além disso, os parentes e amigos do pescador realizaram manifestações em frente ao fórum para cobrar justiça. A família também teve a esperança aumentada com a possibilidade de, num eventual óbito, o corpo ter sido jogado em uma piscina desativada no Loteamento Laguna Internacional. O espaço foi esvaziado, mas sem qualquer vestígio.

No decorrer das investigações, os dois policiais, Luiz Henrique Corrêa e Eduardo Amorim, foram afastados das funções externas e ficaram desempenhando atividades internas nos seus batalhões – apenas Amorim era lotado em Laguna. Ambos foram presos por estarem interferindo nas investigações, com ações que incluem subtração de proas e ameaça ou coação de testemunhas. Além disso, houve indícios de autoria já coletados nas investigações quanto a crimes como abuso de autoridade, prevaricação e outros.

As prisões e afastamento foram solicitadas pela Polícia Civil, que ingressou no caso como uma apuração complementar aos casos. Desde 2017, a competência por analisar casos como esse compete à PM e à Justiça Militar. “Não se trata de presunção de culpa, nem nada nesse sentido; mas sim de tentar blindar a investigação de qualquer ingerência”, justificou o delegado Bruno Fernandes, naquela época.

O caso se complicou devido à inexistência de imagens da câmera acoplada ao fardamento, que teria, segundo os policiais, ficado sem bateria. Um dos policiais disse em depoimento que não se recordava se o tablet operacional estava ativo naquele dia. Dentre outras funções, o equipamento registra a movimentação da viatura. O laudo pericial apontou, em agosto, que o tablet tinha “bom funcionamento”.

Quase 60 dias depois do desaparecimento, no início de março de 2021, as polícias Militar e Civil concluíramos as investigações dos inquéritos montados para apurar a situação. A Civil terminou por não indiciar ninguém, e a PM, que também fez sua análise da situação, registrou que não houve elementos comprobatórios que indicasse a morte do desaparecido. A capitã Cíntia Leandro relatou na conclusão que há indícios, porém, de crimes de ordem militar e para transgressão disciplinar:

  • Os dois policiais deixaram de fazer o procedimento criminal relativo a Diego Bastos Scott em face da lesão corporal praticada contra seu pai, ao encontrá-lo logo após o crime na esquina da residência, tendo conduzido e o privado de sua liberdade em desacordo com as hipóteses legais, descumprindo normas internas da PM e violando previsões estatutárias.
  • Indicativo de transgressão de um policial por não ter utilizado corretamente a câmera do fardamento em conformidade com o procedimento operacional padrão em vigor e demais normas internas da corporação, desligando-a manualmente às 10h48 do dia 15 de janeiro 2021, com 75% de carga de bateria, conforme relatório com informações de bateria e utilização da câmera policial. No depoimento, é citado que o equipamento estava sem bateria.

Passos seguintes

Após a conclusão das investigações, as defesas dos policiais pediram a revogação da prisão, o que foi atendido pelo juiz João Batista Ocampo Moré, da Vara Criminal Militar, de Florianópolis.

“As defesas de ambos os investigados postularam a revogação da prisão preventiva ao argumento de que houve a cessação dos motivos autorizadores, visto que ocorreram a conclusão do inquérito policial militar e o esgotamento das diligências em curso para obtenção de provas”, informou o magistrado na decisão. Pesou na decisão o não indiciamento e o arquivamento do inquérito na promotoria de Laguna.

A PM, porém, abriu um processo administrativo disciplinar para apurar os crimes apontados pela capitã-corregedora. Internamente, a corporação decidiu pela expulsão dos dois policiais. Mas eles recorreram. No último dia 11, o Diário Oficial do Estado (DOE) trouxe os atos de exoneração assinados pelo governador Carlos Moisés (sem partido) e o secretário de Administração, Jorge Eduardo Tasca.

Em nota, a PM diz ter “identificado prática incompatível com a função”. Entre os fatores que motivaram a decisão, estão a mudança de versões nos depoimentos e o fato de Scott não ter sido levado para a delegacia, procedimento padrão da corporação. O processo sobre esses motivos ainda tramita na Justiça de Florianópolis, e deve passar por uma audiência de instrução.

‘Era bom’

“O Diego era um pai bom, um marido bom, tinha as coisas – como todo casal têm – mas isso não justifica o que fizeram”, diz Alexsandra. O Portal conversou com os pais de Diego, mas ambos não quiseram gravar entrevista. Segundo a esposa, não houve apoio da PM em momento algum.

A vontade dela, diz, é perguntar aos policiais onde está o corpo de Scott. “É uma tristeza ver a mãe dele assim como está. Ela já perdeu dois filhos: um sepultou, o outro não. Sofro pelo Diego ter ido, mas sofro mais por ver a mãe dele assim”. No campeonato amador de 2021, o irmão Rafael, homenageou Scott com uma camisa personalizada ao fazer o primeiro gol do Avaí, do Portinho.

Sem esperanças de encontrar Diego Scott vivo, a família trabalha para conseguir o reconhecimento de óbito do pescador.  “A gente espera a punição exemplar dos dois policiais e, principalmente, o conforto para a família com o corpo aparecendo para poderem se despedir”, fala o advogado de defesa Breno Schiefler Bento. O processo de reconhecimento aguarda ainda a análise da Justiça.

A família organizou para este sábado, 15, uma missa de um ano em memória do ex-jogador de futebol amador. A celebração religiosa será às 20h, na Igreja Matriz Santo Antônio dos Anjos.

O que dizem os ex-policiais

Desde o dia 11 de janeiro, quando saiu a notícia das expulsões, o Portal Agora Laguna aguarda o posicionamento das defesas dos dois ex-policiais. Nenhuma manifestação foi enviada. Os agentes também não foram localizados. O espaço permanece aberto.

Linha do tempo

15 de janeiro de 2021

  • Polícia Militar é acionada e vai até a casa de Edson Scott por uma discussão familiar provocada por Diego. O jogador de futebol é visto sendo colocado dentro da viatura e levada para longe dali.

17 de janeiro de 2021

  • Sem notícias do esposa, Alexsandra Joaquim procura por Diego na delegacia e no batalhão de polícia. Começam as primeiras buscas.

18 de janeiro de 2021

  • PM abre um processo interno em sua corregedoria. Os policiais são ouvidos e mantém a versão dita no boletim de ocorrência de que Diego não estava no local.

21 de janeiro de 2021

  • São divulgadas as imagens da câmera de segurança que mostram Diego sendo colocado dentro da viatura. A Polícia Civil começa a investigar o caso. O Ministério Público abre um inquérito. Os policiais mudam o depoimento.

25 de janeiro de 2021

  • Por iniciativa própria, a família faz buscas, junto com amigos, na região da praia do Gi.

26 de janeiro de 2021

  • Polícia Civil abre um canal de disque-denúncia para receber informações sobre o caso.

27 de janeiro de 2021

  • Polícia Civil e o antigo IGP fazem perícia e reconstituição no local onde Scott teria sido deixado. Pela manhã, o helicóptero do Saer sobrevoa a região para tentar achar algum vestígio do desaparecido.

28 de janeiro de 2021

  • Família e os amigos fazem uma manifestação em frente ao fórum de Laguna.

1º de fevereiro de 2021

  • Buscas são direcionadas para uma piscina desativadas na região do Laguna Internacional. Como o volume de água é grande o trabalho só foi concluído no dia seguinte, sem nenhum vestígio.

6 de fevereiro de 2021

  • A PM confirma que os policiais Luiz Henrique Corrêa e Eduardo Amorim foram afastados das funções externas. Agora Laguna revela os depoimentos dos policiais.

15 de fevereiro de 2021

  • Um mês depois, policiais são presos preventivamente em seus batalhões. Suspeita era de que estariam interferindo nas investigações.

25 de fevereiro de 2021

  • Justiça nega liberdade aos agentes.

1º de março de 2021

  • Buscas continuam e PM usa cão farejador para tentar localizar sinais de Scott.

5 de março de 2021

  • Inquérito da PM é concluído. Não há indício de crime contra a vida, mas de transgressões disciplinares.

8 de março de 2021

  • Os policiais militares são soltos pela Justiça Militar.

10 de março de 2021

  • MP pede que eles sigam afastados das funções policiais.

16 de abril de 2021

  • Três meses do caso. Família volta a fazer buscas por conta própria.

8 de maio de 2021

  • Nova manifestação em frente ao fórum. Desaparecimento completou quatro meses dias depois.

2 de agosto de 2021

  • Laudo sobre tablet é tornado público. Peritos apontam que ele tinha bom funcionamento.

20 de agosto de 2021

  • MP pede arquivamento de inquérito contra policiais.

2 de outubro de 2021

  • Rafa Scott marca o primeiro gol do Avaí e na abertura do campeonato amador de Laguna protesta ao exibir uma camisa que pergunta: “Onde está o Diego?”.

11 de janeiro de 2022

  • Governador Carlos Moisés (sem partido) e secretário Jorge Eduardo Tasca assinam expulsão dos dois policiais.

15 de janeiro de 2022

  • Caso completa um ano e missa irá celebrar memória de Diego Scott.

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