Jornais impressos resistem em Laguna

Início de setembro assinala a data em que circulou o primeiro jornal de Laguna em 1864, e permite que se faça a reflexão de até quando a cidade irá contar com o meio jornalístico disponível em papel.
Foto: Luís Claudio Abreu/Agora Laguna

Diante da digitalização de costumes cada vez mais veloz, um gesto secular ainda promete resistir durante muito tempo em Laguna: a leitura de jornais impressos. A cidade que já foi uma das que mais teve publicações em circulação no século 19, conta atualmente com apenas dois veículos de publicação regular. Jornal de Laguna e O Correio surgiram em 1995 e nesses 26 anos já viram surgir muitos jornais no município e também acompanharam o desaparecimento de muitos deles.

A imprensa oficialmente chegou ao Brasil em 1808, mesmo ano em que a Coroa fugiu de Portugal para se instalar no Rio de Janeiro. Trouxeram na bagagem todo o maquinário necessário para imprimir o diário oficial para os assuntos do Reino. Era a Gazeta do Rio de Janeiro, que só não foi a pioneira publicação do país, porque antes, de forma clandestina, chegaram ao solo nacional as edições do Correio Braziliense (sem relações com o jornal atual). Havia restrições à circulação de publicações e são poucas as que vão surgir nesses primeiros anos de imprensa.

Em 1831, surge O Catarinense (Catharinense, na grafia original), que é considerado o primeiro jornal da então Província de Santa Catarina, editado pelo lagunense Jerônimo Francisco Coelho. Trinta e três anos depois, em 1º de setembro de 1864, circula o número inicial de O Pirilampo (Pyrilampo, na época), este se tornou a pioneira a circular em Laguna. Durou até novembro, e alguns de seus números editados resistem até hoje, preservados pela Biblioteca Pública de Santa Catarina (BPSC).

Voltamos ao século 21. A rapidez com que a internet se popularizou trouxe algumas ameaças à conservação de veículos impressos, de uma forma que o rádio e a televisão não conseguiram. A popularidade da rede mundial de computadores foi mais rápida, se comparado aos outros meios de comunicação. Desde os anos 1990, alguns jornais têm suas versões online, mas foi a partir de 2010, que se começou a discutir a extinção da circulação em papel para usar apenas o digital. Em Santa Catarina, o Diário Catarinense, que chegou a ser o líder de circulação e se orgulhava de ter sido o primeiro jornal informatizado da América Latina, saiu das bancas com 33 anos de existência para virar revista semanal e concentrar esforços em um portal virtual.

“Infelizmente, as redes sociais colaboraram para isso, mas houve uma modificação no hábito de leitura. Pouca gente lê hoje e poucos leem jornal. Estamos vendo uma diminuição cada vez maior das tiragens e o desaparecimento de jornais impressos, muitos deles importantes, mantendo somente a edição online”, aponta o jornalista e professor de Jornalismo na UniSul, Ronaldo Sant’Anna.

“Hoje, com as redes sociais e um celular nas mãos, as pessoas podem até mesmo exercer seu lado repórter, noticiando em suas contas ou grupos do WhatsApp, a fila no trânsito, os vídeos de estragos de uma forte chuva ou reivindicar a falta de coleta de lixo em sua rua”, acrescenta o jornalista Márcio Carneiro, redator do JL. Ele também aponta um outro motivo que dificultou a vida dos jornais. “Se deu em parte, também, pela redução das publicidades. Grandes marcas migraram para novas formas de divulgação. Sem o retorno financeiro, que os jornais, como toda empresa, necessita, acaba dificultando sua operação”, comenta.

“Existe demanda por informação de qualidade e acredito muito que novos modelos de financiamento do jornalismo vão surgir e viabilizar a produção de conteúdo. Se a informação está no papel ou na internet, não importa. O que interessa é que a busca pela verdade, o jornalismo, enfim, é cada vez mais necessário, especialmente num momento em que informações falsas e divulgadas sem qualquer técnica de checagem, proliferam”, opina a jornalista Deborah Almada, presidente da Associação Catarinense de Imprensa (ACI).

Presente

Quando saiu pela primeira vez, em 1995, o jornal O Correio era todo em preto e branco e a internet parecia coisa restrita aos filmes de Hollywood. Com a evolução e a facilidade provocada pela tecnologia, Paulo Sérgio Silva pôde colorir as páginas do seu periódico e também transportá-lo para as ondas da rede mundial de computadores. Isso são apenas exemplos do que a evolução dos bytes possibilitou.

“Não tenho dúvidas que isso agiliza o processo e garante a continuação desse meio”, argumenta. O Correio circula aos sábados e o JL chega às bancas um dia antes. Em comum, os dois veículos de imprensa compartilham do mesmo tipo de divulgação online: são distribuídos também pelo WhatsApp, aplicativo de mensagens instantâneas criado em 2010 e que segue como um dos mais populares do mundo.

“Estamos confortáveis com o formato de entrega do produto para nossos leitores, exclusiva e virtualmente para os assinantes, nas quintas à tarde e na sexta-feira de forma impressa. E projetando uma nova forma de levar o conteúdo de forma virtual aos assinantes, que agregue ainda mais valor e informação. É algo que os assinantes e o grande público poderão ver em breve”, afirma Carneiro.

Futuro

“Um dos maiores prazeres durante toda a minha vida adulta foi tomar café da manhã lendo jornal. Mas parece que é uma coisa que está saindo de moda. As pessoas não leem”, lamenta Sant’Anna. Ele recorre a Leon Tolstói, célebre autor de Guerra e paz, para projetar que o futuro do meio impresso são os jornais regionais que falam do bairro, da comunidade, daquela cidade. “O jornal está diferente. Não está mais tentando competir com o rádio ou a TV e até mesmo com as redes sociais. Ele tem que contextualizar, fazer algo diferente para não noticiar coisas que todos já sabem do dia anterior”, analisa.

É nessa mesma visão que os jornais de Laguna se mantém. O fato de serem semanais perde o imediatismo da notícia, mas ao mesmo tempo permite a abertura de um leque de inúmeras possibilidades. “Ele não tem a mesma velocidade que tem um produto que está na internet, mas de qualquer maneira é aquele documento que você tem todas as vezes que publica um edital, a referência a um aniversário, uma homenagem, um fato histórico… Ele vai estar ali, guardadinho e vai servir futuramente”, avalia Silva.

Indagado sobre o mesmo tema, Carneiro mostra ter uma opinião que compactua com a análise feita por Sant’Anna de como os impressos se comportam atualmente. “Não temos interesse em trabalharmos com fatos instantâneos. As grandes reportagens, um novo viés ou um dado que passou batido diante de notícias dadas de forma maçante durante a semana são o nosso foco principal. Além disso, o jornal também se debruça em pautas históricas e que retratam nossa gente, fugindo dessa necessidade de explorar pautas que exigem imediatismo”.

Até quando?

“Creio que em cidades do interior como a nossa, que possuem hábitos peculiares, veículos como rádio e o jornal impresso estão longe de sua extinção, visto a credibilidade e o costume já tão intrínsecos em grande parte da população”, observa Carneiro. O JL O Correio têm 26 anos de existência cada. O primeiro é de janeiro e o segundo é de julho, com a peculiaridade de fazer aniversário com a cidade.

Para Paulo Sérgio Silva, depois de um quarto de século de atuação, ainda vai haver mercado não só pela notícia, mas também pela ligação sentimental. “Sempre vai ter. Enquanto tivermos pessoas que gostem de guardar a recordação e ter em casa a homenagem ou a informação como documento, não vai ter igual”, pontua. “Posso responder pelo meu jornal. Temos um número expressivo de assinantes e anunciantes. Eles são a melhor resposta para ter certeza de que estamos no caminho certo”, finaliza Carneiro.

Até quando os dois vão existir ou até quando a cidade terá impresso, são as únicas questões que ambos não arriscaram uma previsão. Mas se um dia as rotativas pararem, haverá algum jornalista para dar a notícia.

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