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Juízes lagunenses defendem segurança das urnas: ‘Temos que confiar’, assegura ‘pai do voto eletrônico’

Ouvidos pelo Portal Agora Laguna, dois juízes lagunenses que têm ligações simbólicas com as urnas eletrônicas manifestaram suas opiniões sobre projeto. Apesar da maioria dos votos, PEC foi arquivada no Brasil, mas é possível que retorne futuramente ao debate eleitoral como ocorreu em 2002 e 2015.

Apesar de ter maioria de votos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que instituiria o chamado voto impresso auditável foi arquivada, na noite da última terça-feira, 10, pela Câmara dos Deputados. Mas a tendência é que o debate sobre o tema permaneça por mais alguns anos no circuito político, como ocorreu em 2002 e 2015, quando a ideia chegou a ser aprovada no Congresso, porém, foi vetada pela então presidente Dilma Rousseff (PT, 2011-2016).

O debate voltou à tona após o atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), defender publicamente a ideia. A PEC foi proposta pela deputada federal Bia Kicis (PSL-SP), da base governista, ainda em 2019. O relatório da matéria, assinado pelo deputado Felipe Barros, do mesmo partido, sinalizou pela aprovação, mas a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) arquivou por 10 votos a um. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), levou a proposta para o Plenário, onde ocorreu a votação por 229 votos a favor e 218 contra, com a abstenção de Aécio Neves (PSDB-MG). Para virar lei e ser usada na eleição de 2022, o tema tinha de ser promulgado até outubro, se houvesse maioria de 308 votos.

Um dia após o arquivamento da matéria, Bolsonaro manteve o discurso. “Foi dividido, 229 [a favor], 218 [contra], dividido. É sinal que metade não acredita 100% na lisura dos trabalhos do TSE. Não acreditam que o resultado ali no final seja confiável”, disse, segundo relato da agência France-Presse. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rechaça as acusações e garante a segurança do voto eletrônico. Desde 2019, a corte tem implantado novas medidas de transparência, como a criação de comissão com entidades universitárias, científicas e ligadas às Forças Armadas para aferir a inviolabilidade das urnas.

Ouvidos pelo Portal Agora Laguna, dois juízes lagunenses que têm ligações simbólicas com as urnas eletrônicas manifestaram suas opiniões sobre projeto. Carlos Prudêncio, 77, atual presidente do Instituto dos Magistrados do Brasil (IMB) em Santa Catarina, é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça (TJ) e construiu carreira na magistratura atuando muitos anos em Brusque, no Vale do Itajaí. Ele é considerado o ‘pai do voto eletrônico’ brasileiro por ter desenvolvido a base do sistema eleitoral nacional por via digital em 1989, quando a informática engatinhava e o país votava por meio de cédulas em urnas de lona. Assista reportagem acima.

Já Fernando de Castro Faria teve a oportunidade de participar de três formas do processo eleitoral: como eleitor, indo até uma seção e votando nos candidatos de sua preferência; como candidato, uma vez que concorreu ao cargo de vice-prefeito, em 2000, na cidade natal; e como juiz eleitoral, responsável por presidir e coordenar trabalhos de votação. Faria escreveu recentemente o livro Democracia e partidos em crise (Íthala, 2020), onde analisa as teorias democráticas e a descrença da população no sistema político-partidário, que se tornou mais latente na última década, motivada pelos protestos políticos de 2013 e 2016, e sobretudo pela Operação Lava-Jato.

Os magistrados demonstram uma sincronia de pensamentos ao reforçarem o coro de que o voto, mesmo eletrônico, é seguro e auditável. Para Prudêncio, há mecanismos que auxiliam nesse auditoria: a ‘zerésima’, boletim impresso no início do processo de votação para atestar que a urna está sem votos, isto é, zerada; a análise dos espelhos de urna, lista em papel com todos os votos somados pelo sistema ao fim da votação, que pode ser checado e conferido junto aos dados registrados na memória do equipamento.

Além disso, os partidos políticos podem indicar fiscais de votação que podem acompanhar o processo, sem interferir no voto do eleitor, porém, têm a possibilidade de solicitar ou requerer impugnação se detectada fraude no ato. O pai do voto eletrônico sustenta a confiança no sistema por ele idealizado. “Meu princípio foi agilizar a eleição e apuração e ao mesmo tempo combater a fraude. Princípios preservados até hoje, pois, nunca, ninguém, conseguiu fraudar uma eleição eletrônica”, assegura. Ele lembra que a cada eleição, especialistas são convidados a testarem o sistema e promoverem tentativas de invasão, mas sem sucesso. “Todos sabemos que o voto é secreto, a Constituição determina e ao ser secreto, não pode ser divulgado. Temos que estar consciente que o que existe hoje é auditável, com todos os equipamentos que a Justiça Eleitoral têm. O eleitor tem que ter confiança e isso faz com que os partidos abram mão [de questionar] e eu acho que não deveriam [para garantir ainda mais transparência”.

Carlos Prudêncio e o computador-urna de 89: ‘Eleitor tem que confiar’.

Em 25 anos, apenas uma auditoria foi solicitada por partido político. Foi em 2015, quando o PSDB questionou a votação que elegeu Dilma para um segundo mandato. Na votação da PEC, o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) reconheceu: “Quando disse que o TSE tinha, em 2015, urnas não auditáveis, foi com base em perícias e conhecimento técnico. E hoje venho aqui dizer que esse voto é auditável, ele é aferível porque tenho a resolução de 2019 a respaldar o que eu digo”.

“É um debate que me parece enviesado. Não busca dar mais segurança ao processo eleitoral, pelo contrário. As maiores fraudes que tínhamos nas eleições eram quando havia impressão de cédulas e contagem manual. Me parece completamente desnecessário o voto impresso e mais, parece que se quer esconder outras coisas, criar um clima, um problema que nós não temos para justificar algo que não está explicitamente colocado”, opina Faria.

Ele ainda diz ver com preocupação o tema, principalmente diante da ameaça da não realização das eleições. Bolsonaro disse, numa tentativa de pressionar a aprovação, que a manutenção do pleito, garantia constitucional democrática, estava condicionada à aprovação da PEC. “Como assim? Vai haver, sim; é um pressuposto fundamental da democracia”, frisa o magistrado, que completa: “Precisamos de respostas firmes das instituições, pois, sem eleição, o povo não decide nada. Precisamos ter eleição, que é a condição primeira, mínima, livre e segura, para que tenhamos democracia”, reforça o juiz.

Para ele, o Brasil começou a replicar o que se viu nos Estados Unidos no final do ano anterior. Lá, o então presidente Donald Trump questionou a validade do resultado da eleição diante da possibilidade de não se reeleger, o que ocorreu. País cuja democracia é um exemplo de resistência e durabilidade, os Estados Unidos mantém um sistema híbrido de voto impresso – onde o eleitor pode votar com antecedência por correio – e digital, com um sistema próprio computadorizado, além de outros mecanismos.

Fernando de Castro Faria, juiz e autor de obras eleitorais: ‘Eleição é a condição mínima da democracia’. Divulgação/TJ-SC

Sistema híbrido foi testado em 2002

O voto impresso auditável consistiria numa impressão do voto digitado pelo eleitor na urna. A impressora geraria um comprovante apenas como os números eleitorais, sem identificação de quem votou. Após conferência, o papel seria colocado em uma urna física e lacrada. Segundo Prudêncio, já na década de 1990, um experimento semelhante foi feito em Brusque e incluído no projeto enviado para o TSE que gerou a base do atual modelo utilizado.

Na eleição de 2002, sete milhões de eleitores participaram de um novo teste, devidamente autorizado pelo Congresso. Utilizando as bobinas de papel e o módulo impressor já existentes na urna, o sistema acabou não sendo aprovado, pois gerou mais transtorno que o esperado: filas, maior número de urnas quebradas, incidência de votos brancos e nulos, e provocou votação física em seções – quando o equipamento eletrônico é danificado e não pode ser substituído, a Justiça Eleitoral aplica o modelo antigo para permitir que o processo eleitoral continue.

O teste foi feito, pois o sistema ‘híbrido’ deveria valer para todo o país em 2004, mas diante do péssimo resultado foi revogado no primeiro ano de mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 2003-2010). “Sua introdução no processo de votação nada agregou em termos de segurança ou transparência. Por outro lado, criou problemas”, avaliou o TSE, conforme relatório das eleições de 2002. “O voto cantado fragiliza o processo de votação e apuração, na medida em que possibilita a interferência da ação humana, com todas as suas consequências”, afirmou o texto.

Foto: TSE