Criança gerada por inseminação caseira ganha direito a registro civil, em Laguna

A juíza pontuou que a família é tomada como base da sociedade, com direito a proteção do Estado, o que ocorre tanto quando do casamento, quanto da união estável. Na decisão, foi mencionado artigo da Constituição Federal, que preceitua que "o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas".
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Uma criança gerada por meio de auto-inseminação caseira ganhou o direito ao registro civil, segundo decisão da juíza Elaine Cristina de Souza Freitas, da 1ª Vara Cível da Comarca de Laguna. A magistrada julgou procedente o registro de nascimento do bebê, com dupla maternidade.

Os autos apontaram que as autoras têm união estável e compartilhavam o desejo de serem mães, porém não possuíam condições de realizar inseminação artificial. Optaram por fazer o processo de forma caseira, e, como não houve as formalidades legais e médicas do procedimento assistido, as mulheres não tinham declaração de médico responsável para registro e emissão da certidão de nascimento.

A auto-inseminação caseira ocorreu por meio da inserção do sêmen de um doador anônimo e obteve êxito na segunda tentativa, ocasionando a gestação de um bebê com seis meses. Como geneticamente não havia parentesco com a outra requerente, isso lhe impediria, num primeiro momento, de registrar a criança como sua filha.

A juíza pontuou que a família é tomada como base da sociedade, com direito a proteção do Estado, o que ocorre tanto quando do casamento, quanto da união estável. Na decisão, foi mencionado artigo da Constituição Federal, que preceitua que “o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.

Ainda de acordo com a sentença, é mencionado provimento do Conselho Nacional de Justiça que regulamenta o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos gerados por reprodução assistida, porém com a indispensável apresentação de “declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários”. Esse documento era, porém, inexistente.

Diante da situação e sem citação no provimento do órgão judiciário, a juíza se baseou no fato de a criança ter como direito fundamental o acesso à identidade. “Além disso, pode-se ponderar que é do melhor interesse do nascituro ter sua ascendência registrada com o nome do casal requerente, visto que lhe proverá os cuidados necessários e lhe proverá afeto como genitores(as), independentemente do vínculo genético”.

“Não cabe ao Estado interferir no planejamento familiar, mas sim protegê-lo”, assegurou em outra linha da sentença. Conforme as informações divulgadas pelo Tribunal de Justiça (TJ-SC), na medida em que se reconhece legalmente o vínculo de ascendência no caso de inseminação artificial heteróloga, não há porque não reconhecê-lo no presente caso, por se tratar de situação bastante semelhante, a qual não preenche tão-somente o requisito de acompanhamento/documentação médica.

A juíza também asseverou que o doador do material genético é uma pessoa anônima residente em outro estado e que declarou ciência e anuência com o procedimento. Da mesma forma, assegurou que o eventual direito à busca pelo ascendente biológico ou pela criança acerca da sua origem genética não será impedido. A decisão autoriza que o Cartório de Registro Civil emita a certidão da criança com os nomes dos ascendentes, sem referência a distinção quanto à ascendência paterna ou materna. O processo tramitou em segredo de justiça.

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