Jet skis no Canal da Barra preocupam ambientalistas

Jet skis podem trafegar no Canal da Barra, na área entre a boca do canal e o atracadouro das balsas. Porém, a atividade segue o regulamentado nas normas federais: lei 9.537/97 e decreto 4.596/98, bem como só pode acontecer em velocidade de navegação de no máximo cinco nós (aproximadamente 9,26 km/h).
Foto: Wellinton Linhares

Registros constantes de jet skis navegando no Canal da Barra, próximo do local onde ocorre a interação entre pescadores e os botos da espécie Tursiops truncatus vêm preocupando ambientalistas na cidade. A situação não é recente e acende um sinal de alerta para os possíveis malefícios que a prática esportiva pode acarretar para os mamíferos.

Desde 1993, quando ocorreu o episódio da devolução ao mar do boto Flipper, as águas de Laguna são consideradas santuário ecológico para a espécie. Um ano depois surgiu a primeira proibição ao jets nas águas da cidade, durante a pesca da tainha, e em 1995, a restrição foi ampliada para que a prática não ocorresse em rios, lagoas, lagos e canais de barra neste município.

Seis anos depois, uma nova normativa. Agora, proibia as moto-aquáticas “na área compreendida entre a boca da barra e o atracadouro do sistema de balsas de travessia na Lagoa Santo Antônio dos Anjos” e autoriza atividades esportivas no mar, desde que não provocassem molestamento de cetáceos, embaraços à navegação, risco à vida, e, dificuldades à pesca artesanal ou a executada com botos.

O texto legal só foi revisto em 2013, vinte anos depois do decreto de santuário ecológico. Os jet skis podem trafegar no Canal da Barra, na área entre a boca do canal e o atracadouro das balsas. Porém, a atividade segue o regulamentado nas normas federais: lei 9.537/97 e decreto 4.596/98, bem como só pode acontecer em velocidade de navegação de no máximo cinco nós (aproximadamente 9,26 km/h).

A informação é reforçada pela Marinha do Brasil, através da Delegacia da Capitania dos Portos em Laguna (Del Laguna). “Não existe proibição de embarcações trafegarem no canal de acesso ao Porto de Laguna, seja ela embarcação de pesca, lancha ou moto aquática”, afirma o setor de comunicação do órgão. A Del Laguna é responsável por monitorar e fiscalizar o tráfego aquaviário em Laguna.

Dados da Operação Verão (15 de dezembro de 2020 a 15 de fevereiro de 2021) fornecidos à reportagem do Portal Agora Laguna pela Capitania, mostram que houve abordagem a 1.053 embarcações na área de jurisdição (39 municípios entre Garopaba e Passo de Torres), sendo que 69 condutores foram notificados e 28 embarcações apreendidas, por irregularidades que vão desde a documentação à alta velocidade.

Há cinco anos, o Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS) ganhou uma unidade em Laguna, através da parceria com o Ceres/Udesc. Estudos realizados pelo órgão, em relação à caracterização acústica da Lagoa Santo Antônio dos Anjos, indicam crescimento.

“Verificamos que ao longo do tempo o aumento do ruído produzido por embarcações é cada vez maior. No canal de navegação, em especial, temos ruídos crônicos da balsa e do bote; e em finais de semana e feriados, temos adição de ruídos por conta do aumento de embarcações navegando no canal (entrar e sair do canal, bem como acessar restaurantes)”, detalha o professor Pedro Wolkmer de Castilho, coordenador do PMP em Laguna.

Foto: Júlio Cesar Vicente

O trânsito intenso de embarcações altera o comportamento dos botos, e também das aves e peixes. Ao longo do tempo, explica, vai ocorrendo um relaxamento do estresse por constante estímulo, habituando animais aos diversos impactos. Porém, as respostas comportamentais podem ser diferentes entre indivíduos, a ponto de alguns não se importarem e outros se afastarem. “No caso de botos e pescadores nos molhes, o trânsito desregrado ou irresponsável causa interrupção do display comportamental, podendo ocorrer ausência da interação por um dos elementos não estar disponível ou apto”, analisa.

Para Castilho, há ausência de conscientização e para explicar isso, é como comparar o canal aquático à uma rodovia automobilística. Uma pista federal tem limite de 110 km/h, mas há motoristas que trafegam acima disso e reduzem a velocidade para 80 km/h ao ver um radar. Como no mar não há radar, é preciso contar com a sensibilidade de quem está sobre a moto aquática. A analogia é a mesma usada pela Marinha do Brasil em uma campanha de conscientização anos atrás: “Como no trânsito, o mar também possui suas regras de tráfego: os carros são como as lanchas; as motos são como os jet skis”.

“O canal é emblemático, pois não poderia receber eventos de pesca, banho e por ai vai. A pesca cooperativa é evento cultural que está garantido, assim como o trânsito de embarcações. O que falta é a informação de que existe um limite de velocidade e que pela interação e botos, a preocupação deveria ser ainda maior”, aponta Castilho.

Criado cinco anos depois da devolução do Flipper ao mar, o instituto que leva o nome do simpático boto também atua para desenvolver a proteção da espécie T. truncatus. Uma das principais ações conquistadas foi a proibição da pesca de emalhe, que era um das principais causas de morte desses cetáceos – mas já houve ao menos um óbito por colisão, cujas marcas condizem com jet ski.

Arnaldo Russo, biólogo e presidente do Instituto Ambiental Boto Flipper, revela que há uma vontade de que a área de presença dos botos no canal seja transformada em unidade de conservação (UC). Se um dia isso se concretizar, ali se tornaria um local juridicamente destinado a preservar a espécie e, ao mesmo tempo, garantir à população o uso sustentável dos recursos naturais de forma racional, bem como fomentar o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis. “É a área de maior ocorrência de botos. 95% das vezes se você procurar, vai encontrar os botos nessa região. E a área que ocorrem os maiores problemas com jet skis coincide com essa região”, sinaliza.

Para o ambientalista, justamente por ser um reduto da espécie, deveria haver redução no uso de jets ou embarcações aquáticas de alta velocidade ou proibições à essas atividades. Ele justifica isso se apoiando no mesmo argumento defendido por Castilho.

“A poluição sonora é um efeito drástico e que a gente não consegue mensurar o impacto maléfico nos botos, mas que sabemos que existe, pois fazemos gravações da paisagem sonora subaquática dando evidência da frequência sonora e ruído embaixo d’água, e os botos usam o som para se comunicar e caçar o alimento – se tem barulho, eles não conseguem fazer a atividade de manutenção da vida”.

Outro ponto elencado é a velocidade. “Aumenta o risco de abalroamento [colisão], pois tem direcionamento errático. Os botos conseguem, pelo som, saber que está vindo uma fonte sonora de alta velocidade. Só que se a embarcação muda de deslocamento, há possibilidade de colisão. E há um animal identificado com marcas de abalroamento, provavelmente de jet ski na nossa lagoa. Esse cetáceo passou por estudo necrológico e motivou a elaboração de um plano de conservação para a espécie, por parte do Instituto do Meio Ambiente (IMA).

O plano do IMA catarinense prevê fortalecimento da fiscalização e integração dos órgãos; envolvimento da comunidade local na conservação dos botos-pescadores por meio de atividades educativas em escolas no município; monitoramento e avaliação da causa morte dos botos; avaliação da prevalência de doenças de pele na população; e garantia da manutenção do monitoramento da população em longo prazo, entre outras.

Coexistência

O pescador Rafael Schmitz, um dos principais defensores da preservação da espécie na comunidade pesqueira, diz que não apoia a proibição do uso das motoaquáticas, mas defende a necessidade de se desenvolver políticas de conscientização.

Foto: Elvis Palma / Agora Laguna

“Se ver pela parte legal, e nós já buscamos isso, o único local que eles têm uma legislação específica, que tem limite de velocidade, é em área de manobra de porto, como no canal da barra de Laguna. Na área, a velocidade é cinco nós e nos outros locais, lagoas, mar, não existe um regramento específico. O que a gente tenta buscar é mudar a legislação, tentando diminuir essa velocidade no canal de navegação. Acredito que deve haver mais conscientização com o pessoal do jet ski de que quando chegar naquela área, ter a consciência e o bom senso de baixar a velocidade”, opina.

Schmitz também diz crer que a espécie se adaptaria à poluição sonora, citando como exemplo, os estudos feitos no começo da década passada, durante a obra da Ponte Anita Garibaldi. Quando a estrutura estava sendo erguida, foram utilizados bate-estacas diariamente, gerando ruído que poderia ser ouvido a quilômetros de distância e havia a preocupação que isso afetasse os botos, o que, segundo o pescador, não ocorreu.

Do outro lado da opinião, Russo avalia que a coexistência entre jet ski e botos é complicada. “Devia ser uma área de exclusão de embarcações com uma área de frequência alta. Vejo que pelos dados científicos que a gente têm, a população de botos tem uma restrição grande de habitat que os jets são capazes de ocupar outros locais onde o boto não está. Não é necessário existir a coexistência, pelo contrário tem que ter restrição. O jet ski pode ficar em outra lagoa, ir para o mar inteiro, mas os botos têm uma área de existência que é restritiva à lagoa [Santo Antônio]”.

Conscientização

Ao Portal, o comandante da Polícia Militar Ambiental (PMA), João Hélio Schneider, explicou que a corporação é um dos órgãos envolvidos na fiscalização ambiental, porém não pode autuar. Mas se houver flagra de uma ação prejudicial aos botos pode acionar a Del Laguna.

“Em reunião realizada na prefeitura de Laguna, no último dia 27, ficou acertado que haverá campanha de orientação de velocidade e fiscalização por parte da Marinha do Brasil e município. A PMA prestará apoio às instituições no caso de infração ou crime ambiental”, informou Schneider. A ação ainda não possui data para ocorrer.

A Fundação Lagunense do Meio Ambiente (Flama) foi procurada, mas informou que não possui estrutura necessária para atuar nessas ocorrências e reforçou que a ação de fiscalização cabe à Marinha, com suporte da polícia ambiental.

Denúncias

A Capitania dos Portos em Laguna disponibiliza o telefone 3644-0196 para recebimento de denúncias e também o e-mail dellaguna.ouvidoria@marinha.mil.br par envio de imagens que possibilitem identificar a infração.

“Incentiva-se a todo cidadão a colaborar com a fiscalização. Ao observar uma irregularidade no mar, informe  imediatamente à DelLaguna incluindo, se possível, o nome da embarcação, seu número de inscrição, a data e horário”, orienta a organização militar.

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