Professores da Udesc sugerem que gestão municipal cancele soltura de balões no Ano Novo; entenda

Um grupo de professores da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) divulgou uma nota científica conjunta sugerindo à organização da Live Celebrar o cancelamento da soltura de balões anunciada. O evento está sendo organizado pela prefeitura e a nova gestão municipal, para substituir a queima de fogos e as apresentações de virada de ano.

O texto, segundo o grupo, é fundamentado “em dados científicos que mostram os efeitos nocivos que artefatos sintéticos como balões de plástico, exercem sobre os ecossistemas naturais e suas espécies” e “não possui qualquer caráter político-partidário e tampouco se fundamenta em ‘achismos'”.

Os especialistas alertam sobre a poluição que pode ser ocasionada na lagoa devido aos balões, citando as pesquisas que são desenvolvidas pela universidade na região do complexo lagunar há anos para avaliar a presença de plástico e microplásticos (partículas menores que cinco milímetros).

“Em 2017 foram realizados cerca de 600 mergulhos subaquáticos nos molhes da barra em Laguna, coletando-se 2142 resíduos sólidos e cerca de 100 kg de lixo no leito do ambiente estuarino/marinho. Em amostras de água superficiais na região da Lagoa Santo Antônio dos Anjos foram registrados 4723 fragmentos de plástico em apenas 1 mês de coletas. Além desta notória contaminação por plásticos no sedimento e da água dos ecossistemas, há também uma elevada ingestão destas partículas por peixes e outros organismos aquáticos. Em 2018, ao se analisar o trato digestivo de peixes popularmente conhecido como “olho de cão” (Priacanthus arenatus), registrou-se que 49,17% dos indivíduos continham fragmentos de plástico no estômago”, diz trecho da nota.

Em entrevista à Rádio Difusora, na manhã desta quinta-feira, 17, o futuro secretário de Turismo e Lazer, José Mello Junior, afirmou que a organização mantém a ideia de soltar balões. “Teremos balões biodegradáveis. Embora também tenha um tempo para se decompor, ele incomoda menos que o lixo jogado na lagoa”, disse.

O professor David Dantas, um dos subscritores da nota, reconhece que o balão biodegradável degenera mais rápido em relação ao balão tradicional, mas aponta que seu uso também é perigoso, por conter látex na fabricação e pigmentos adicionados.

“Isso não torna ele menos poluente ou perigoso para o meio ambiente, pois essa redução de tempo em relação aos outros tipos de balões não é significativa em relação à contaminação do meio ambiente. Ou seja, mesmo sendo de materiais que teoricamente quebram e fragmentam um pouco mais rápido. Na prática, vai passar um bom tempo na natureza, podendo acumular substâncias tóxicas, e ser ingerido por organismos marinhos. Além do problema paisagístico que causa com a contaminação visual”, contrapõe.

Leia a nota divulgada pelos professores e a referências científicas do texto

“Ano novo, vida nova!”. Quem nunca ouviu este jargão, repleto de esperança por mudanças e bons ventos, dito aos sete ventos aí? Se outrora a frase já soava como um mantra de positividade, imagine em um ano como o de 2020, onde todos lidamos com muitas dificuldades e ressignificações. Foi por este clima de esperança que a virada do ano se tornou uma data tradicionalmente festiva ao redor do globo. E, neste ano de pandemia de COVID-19, o roteiro de celebrações precisou ser adaptado, para evitar aglomerações e riscos à população, sendo que muitas prefeituras optaram pela realização de eventos virtuais, para promover entretenimento seguro para a população.

Em Laguna (SC), o governo recém eleito, publicou na edição do jornal local, “Agora Laguna” – edição de 03 de dezembro de 2020, a programação para as comemorações da virada do ano. O evento contará com apresentações de artistas locais em comemorações em formato virtual (lives), cancelando as festas na orla da praia do Mar Grosso. A proposta de lives é absolutamente pertinente e deve ter o seu mérito amplificado, sobretudo ao prestigiar os artistas locais. Contudo, dentre as ações previstas na programação do evento, encontra-se a soltura de balões brancos pela cidade, ato que gera preocupação dentre nós, profissionais e pesquisadores da área ambiental.

Desta maneira, vimos por esta nota nos expressar contrários à soltura de balões, alicerçados em dados científicos que mostram os efeitos nocivos que artefatos sintéticos como balões de plástico, exercem sobre os ecossistemas naturais e suas espécies. Salienta-se que a nota NÃO possui qualquer caráter político-partidário e tampouco se fundamenta em “achismos”. Dito isto, partilhamos constatações científicas publicadas em periódicos internacionais, bem como, as respectivas bibliografias para consulta.

Pesquisadores da UDESC de Laguna realizam há anos pesquisas na região do Complexo Lagunar e em sistemas marinhos adjacentes, visando avaliar a contaminação por plástico e microplásticos (partículas menores que 5 mm) no ambiente. Em 2017 foram realizados cerca de 600 mergulhos subaquáticos nos molhes da barra em Laguna, coletando-se 2142 resíduos sólidos e cerca de 100 kg de lixo no leito do ambiente estuarino/marinho (Farias et al. 2018). Em amostras de água superficiais na região da Lagoa Santo Antônio dos Anjos foram registrados 4723 fragmentos de plástico em apenas 1 mês de coletas (Monteiro et al., 2019). Além desta notória contaminação por plásticos no sedimento e da água dos ecossistemas, há também uma elevada ingestão destas partículas por peixes e outros organismos aquáticos. Em 2018, ao se analisar o trato digestivo de peixes popularmente conhecido como “olho de cão” (Priacanthus arenatus), registrou-se que 49,17% dos indivíduos continham fragmentos de plástico no estômago (Cardozo et al., 2018). Em 2019, ao se avaliar estômagos de bagre marinho (Genidens genidens), foram encontrados fragmentos plásticos em 26,9% dos peixes analisados (Dantas et al., 2019). É importante mencionar que ambas as espécies supracitadas possuem elevada importância pesqueira em Santa Catarina, sendo comumente consumidas pela população de Laguna e região.

No caso específico de balões, existe uma atenção mundial sobre os impactos gerados por seus resíduos sobre os componentes dos ecossistemas aquáticos. Por exemplo, pesquisadores americanos (Virgina, EUA) apontaram que a poluição por balões plásticos em ambientes marinhos acarreta ingestão e/ou morte por sufocamento de tartarugas marinhas e mamíferos marinhos (Pearce & Copenhaver, 2019). No âmbito do Projeto de Monitoramento de Praias, realizado pela UDESC na paisagem costeira de Laguna desde 2015, 6.552 animais foram coletados, sendo 3.347 necropsiados. Deste total, duzentos e sete animais apresentaram resíduos sólidos do tipo plástico no conteúdo gastrointestinal, considerando apenas os elementos macroscópicos (Castilho et al. 2019). Quanto aos resíduos envolvendo balões, especificamente, foram registrados fragmentos em três espécies: pinguins-de-Magalhães (Spheniscus magellanicus), tartaruga-verde (Chelonia mydas) e leão-marinho-sulamericano (Otaria flavescens) cujo resíduo resultou diretamente na causa da morte.

As informações aqui apresentadas constituem uma pequena amostra da extensa literatura que discute a problemática da poluição por plásticos em nível mundial. Ainda assim, evidenciam de forma clara e concisa os efeitos deletérios das partículas plásticas sobre o ambiente. Face ao exposto, sugerimos gentilmente à gestão pública do município de Laguna que cancele o lançamento de balões nas comemorações da virada do ano de 2020, uma vez que as consequências deste ato serão certamente negativas a paisagem costeira de Laguna, comprometendo as atividades de lazer (ex: turismo) e sustento (ex: pesca) das quais grande parte da população depende como fonte de renda na região.

Atenciosamente,

Prof. Dr. David Valença Dantas – Grupo de Gestão, Ecologia e Tecnologia Marinha (GTMar – UDESC).
Prof. Dr. Eduardo Guilherme Gentil de Farias – Grupo de Gestão, Ecologia e Tecnologia Marinha (GTMar – UDESC).
Profa. Dra. Micheli C. Thomas – Grupo de Trabalho de Qualidade Ambiental do Fórum de Pesca de Laguna
Prof. Dr. Pedro Volkmer de Castilho – Grupo de Pesquisa em Biologia e Conservação de Organismos Aquáticos
Prof. Dr. Jorge Luiz Rodrigues-Filho –Grupo de Pesquisa Análise e Conservação da Biodiversidade. 

Referências: Cardozo, A.L.P., Farias, E.G.G., Rodrigues-Filho, J.L., Monteiro, I.B., Scandolo, T.M., Dantas, D. V., 2018. Feeding ecology and ingestion of plastic fragments by Priacanthus arenatus: What’s the fisheries contribution to the problem? Mar. Pollut. Bull. 130, 19–27. https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2018.03.010

Castilho, P.V. et al. 2019. Strandings of marine mammals, sea turtles and seabirds along the South Santa Catarina state coastline, from 2015 to 2018., Dryad, Dataset, https://doi.org/10.5061/dryad.prr4xgxgw

Dantas, D. V., Ribeiro, C.I.R., Frischknecht, C. de C.A., Machado, R., Farias, E.G.G., 2019. Ingestion of plastic fragments by the Guri sea catfish Genidens genidens (Cuvier, 1829) in a subtropical coastal estuarine system. Environ. Sci. Pollut. Res. 26, 8344–8351. https://doi.org/10.1007/s11356-019-04244-9

Farias, E.G.G., Preichardt, P.R., Dantas, D. V., 2018. Influence of fishing activity over the marine debris composition close to coastal jetty. Environ. Sci. Pollut. Res. 25, 16246–16253. https://doi.org/10.1007/s11356-018-2012-4

Monteiro, I.B., Martins, M.E., Ribeiro, S.A., Dantas, D.V., Makrakis, M.C., 2019. Abundância e distribuição de microplástico ao longo da ecoclina de um estuário subtropical., in: III Congresso Brasileiro de Ciência e Tenologia Ambiental. pp. 1– 10.

Pearce, M.; Copenhaver, N., 2019. The Effects of Releasing Balloons: Soft Plastic Pollution in our Oceans” (2019). Spring Showcase for Research and Creative Inquiry. 29. https://digitalcommons.longwood.edu/rci_spring/29

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