Memória dos jornais de Laguna preservada digitalmente

Grande parte desses jornais sobreviveu aos anos e passa por processo de digitalização nas Bibliotecas Nacional (Rio de Janeiro) e Pública do Estado (Bpesc, em Florianópolis). Por serem materiais frágeis e maltratados pelo tempo – a primeira edição do Pirilampo teve o cabeçalho cortado – ambas as instituições iniciaram processo de digitalização desses jornais.

“Encetando nesta cidade a publicação do presente periódico, realizamos uma ideia de magna importância que inspirou-nos a nossa gratidão para com seus habitantes”, com esse linguajar rebuscado de época, circulou em 1º de setembro de 1864 a edição número um do jornal O Pirilampo (na grafia original, Pyrilampo). A publicação não durou quatro meses, mas foi a primeira a sair às ruas da antiga Laguna, há 156 anos.

A preservação do número um do primeiro jornal lagunense permite que se saiba, por exemplo, as embarcações que entraram no porto e as que partiram nos últimos dias de agosto, comentários sobre como havia sido a festa de Bom Jesus do Socorro na antiga Freguesia de Pescaria Brava e a velha crítica aos serviços públicos. Além de alguns textos literários e poucos anúncios.

O Pirilampo era impresso em Desterro (hoje, Florianópolis) e foi feito pelo professor José Joaquim Lopes, que dirigia um colégio de instrução de primeiras letras na cidade juliana e na capital da província, com edição de J. Lopes. Depois dele, apenas em 1878 é que surge O Município, que foi o primeiro jornal impresso em Laguna e cujo primeiro número também circulou em setembro. Dali em diante, mais de cem títulos impressos surgiriam na terra de Anita, alguns com poucos números e outros que ultrapassaram a marca das mil edições.

Um levantamento feito pelo bibliotecário Alzemi Machado, mostra que só no século XIX, surgiram 37 títulos em Laguna, ficando atrás apenas de Desterro/Florianópolis, que lançou 146 jornais – incluindo O Catharinense, em 1831, o primeiro do estado, editado pelo lagunense Jerônimo Coelho e que chegou a ser vendido em sua terra natal, como mostra uma edição preservada de 1832. Esses números deixaram Laguna à frente de Joinville, que havia editado só 24 jornais naquela época.

Grande parte desses jornais sobreviveu aos anos e passa por processo de digitalização nas Bibliotecas Nacional (Rio de Janeiro) e Pública do Estado (Bpesc, em Florianópolis). Por serem materiais frágeis e maltratados pelo tempo – a primeira edição do Pirilampo teve o cabeçalho cortado – ambas as instituições iniciaram processo de digitalização desses jornais.

“Também tem por objetivo, democratizar o acesso a essa coleção de qualquer cidadão a esse patrimônio cultural por meio da internet, possibilitando a realização de pesquisas escolares, acadêmicas em todos os níveis, produção de publicações impressas ou digitais, entre outras”, acrescenta Machado, que coordena o projeto Hemeroteca Digital Catarinense.

Já são 970 títulos digitalizados que somam mais de meio milhão de páginas de jornais impressos em uma época que o telégrafo era a comunicação mais ágil. São essas ferramentas que facilitam pesquisas de acadêmicos e impressionam universitárias como Luiza Tonon. A lagunense é formada em História pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e atualmente é doutoranda na área, pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

“O uso de jornais como fontes históricas, que mostram muitas informações e causos que não estariam registrados em documentos oficiais é extremamente interessante. Permite pensar como seria um dia em que um passeio na praia com um maiô seria um escândalo, ou ainda, de um triste tempo em que anúncios de vendas de pessoas escravizadas era comum como o de remédios. Essas reflexões críticas sobre o passado e o presente que podem ser pensadas a partir da leitura dos jornais, não nas aulas de História”, avalia.

A mesma opinião é compartilhada pela professora Andréa Matos Pereira. “Transformados em mídia digital, os jornais serão preservados para sempre, podendo desta forma, serem consultados quando uma análise do fato no tempo em que ele ocorreu se faz necessária. Para o historiador, a pesquisa em jornais pode demonstrar, além do fato narrado, a forma como ele era realizado, fornecendo características também do pensamento da sociedade em análise. Se assemelha a realizar o salvamento de um sítio arqueológico; se preserva a pesquisa posterior e se preserva o passado para o futuro”, pontua.

Nos semanários já digitalizados pela Bpesc informações que ajudam a contar a história da cidade de maneira detalhada podem ser encontradas. O dia-a-dia da construção da então Donna Thereza Christina Railway, cuja inauguração também aconteceu em um 1º de setembro, 20 anos depois do primeiro jornal ter circulado; as festas sociais, a política local, os crimes e os fatos curiosos que aqui aconteciam.

“A pesquisa histórica ganha muito: de Laguna, através do site da Hemeroteca Nacional, por exemplo, posso ler artigos do Rio de Janeiro de 1870 ou de Manaus de 1910, por exemplo, e como historiadora, não precisaria viajar até tais lugares para ter acesso caso quisesse realizar uma pesquisa”, observa Luiza.

Hemeroteca guarda virtualmente jornais antigos da cidade – Foto: Luís Claudio Abreu

Jornais arquivados em Laguna passam por digitalização

Também em setembro, mas no ano de 1901, nascia em Laguna o jornal O Albor, com nome muito provavelmente inspirado pelo novo século – albor quer dizer aurora – e que circulou até 1965, com uma breve parada durante a Primeira Guerra, entre 1918 e 1919, após ter sido censurado depois de campanha difamatória promovida por um concorrente. Tudo isso porque um texto teria contido uma palavra em alemão, o que era proibido já que a Alemanha era rival do Brasil no conflito.

Nos mais de 60 anos de atividades, o semanário registrou a vida social, econômica, e política de Laguna e das cidades vizinhas. As páginas acompanharam a evolução da imprensa com a chegada do rádio, da televisão, do telefone e da energia elétrica; as vibrantes partidas do Barriga Verde, as eleições locais e foi, ainda, depósito da criatividade do lagunense. O livro Coisas Velhas, de Saul Ulysséa (1943), nasceu de uma coluna do Albor.

Na visão do jornalista Márcio Carneiro, não há dúvidas da importância da publicação. “Em se tratando de Laguna, berço do fundador da imprensa catarinense, Jerônimo Coelho, e no caso do Albor, de Antônio Bessa, o valor histórico transforma os exemplares em verdadeiras relíquias. Há necessidade não apenas de preservar o que temos, como também disponibilizar os exemplares digitalizados ao público, aos moldes de sites como o da Biblioteca Nacional Digital, no qual encontramos inclusive edições de O Albor“.

Essa preservação sugerida por Carneiro foi iniciada há dois anos pela Fundação Lagunense de Cultura (FLC) em conjunto com o Iphan e já está próxima de ser concluída. “O acervo da Casa Candemil deve retornar em março de 2021. Foi assinado um aditivo com o Iphan. Foram todos os jornais e todo o acervo será tratado e digitalizado”, garante a presidente da FLC, Mirella Honorato.

Além das centenas de edições do Albor que sobreviveram com o passar dos anos, o arquivo municipal guarda números do Semanário de Notícias, do Renovador e de tantos títulos antigos e mais recentes como Jornal de LagunaCorreio Pharol.

SC tem segundo maior acervo virtual do país

A digitalização de mais de 670 mil páginas de jornais conferiram à biblioteca estadual a condição de ser a segunda maior do país em acervo virtual. A Bpesc só fica atrás da Biblioteca Nacional, cujo projeto começou em 2010 e mantém inúmeros títulos importantes da história nacional como Diario de Pernambuco (fundado em 1825) e Jornal do Brasil, além de alguns lagunenses como Blondinista (1901) e A Verdade (1879).

“Fruto deste alcance e o reconhecimento deste trabalho, fomos convidados pela Biblioteca Nacional, a compartilhar paralelamente os nossos arquivos a integrar a Hemeroteca Digital Brasileira, vinculado à Rede de Memória Virtual Brasileira”, comemora Machado. Essa cooperação vai permitir busca por palavras-chaves e períodos históricos em toda a coleção, facilitando a pesquisa e o poupando tempo para o usuário.

Atualmente, a Hemeroteca Digital Catarinense é mantida em parceria entre a biblioteca e o Instituto de Documentação em Ciências Humanas (IDCH), da Udesc. O bibliotecário lembra que o projeto foi finalista, quatro anos atrás, do Prêmio Rodrigo de Melo Franco Andrade, do Iphan. O projeto também já gerou um catálogo que mapeia os títulos de 1831 a 2013 (em outubro deve sair a atualização que irá até 2019) e também um livro digital sobre a imprensa no século XX em Santa Catarina (acesse aqui).

Para conferir a hemeroteca, basta clicar aqui.

O Pyrilampo, na grafia original, foi pioneiro em 1864. Foto: BPESC

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