Lagunenses que vivem no exterior relatam como coronavírus mudou o cotidiano

Existente desde a década de 1960, o coronavírus voltou ao cenário médico mundial no final do ano passado com os primeiros registros de uma nova doença respiratória grave provocada pela bactéria. Denominada cientificamente de Covid-19, a infecção já matou mais de quatro mil pessoas ao redor do mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a considerar a doença como pandemia mundial.

A escalada da Covid-19 começou a partir da província chinesa de Wuhan, e foi se espalhando pelos países asiáticos, chegou à Europa, depois América, e agora já atinge também as nações africanas. O Portal Agora Laguna conversou com lagunenses que vivem em solo europeu e, também, nos Estados Unidos.

Muitos achavam que a pandemia não atingiria seus países atuais. Na maior parte dos depoimentos há semelhanças entre as medidas tomadas pelas autoridades do Brasil. Os relatos mostram como ocorreram as mudanças no cotidiano local, que vão desde o isolamento social às restrições de comércio, impostas pelo governo.

Espanha – La Coruña: ‘Reação de início das pessoas foi de apavoro’

Semanas atrás, o governo baixou normas em que cancelava todos os eventos no país e suspendia as atividades escolares para evitar aglomerações. 11 de março foi o início oficial das medidas que a Espanha tomaria com objetivo de barrar o avanço feroz do coronavírus. Na nação espanhola, o assunto domina o noticiário.

O principal jornal diário nacional El País destacou no domingo, 29 que o governo tomou a decisão de suspender até dia 9 de abril todas as atividades não-essenciais à população. A matéria diz que foi tentado adiar a medida, e que o “confinamento geral da população ocorre após a Espanha exceder 72.000 infectados e 5.690 morrerem de Covid-19”. Santa Catarina adotou método semelhante há duas semanas, quando tinha apenas sete confirmações – atualmente, são 197 casos e uma morte.

Os dados citados são da manhã de domingo. Um dia depois, às 14h30 (hora de Brasília ou 19h30, hora local na Espanha), os casos de contaminados chegam a exatos 85.195, mortos são 7.340. Um alento aos números, são as estatísticas de curados, exatos 16.780.

No começo do ano, quando viajou para a Espanha, o acadêmico Georgios Guedes Anastasiadis não imaginava o que viria meses depois. Ele sabia o problema que a China enfrentava, mas não esperava que a Europa seria afetada. “A reação de início das pessoas foi de apavoro, os supermercados encheram, produtos começavam a faltar, mas ainda havia muitas pessoas na rua, caminhando, seguindo normalmente a sua rotina”, relata o lagunense.

A cena se tornou rara à medida que os casos aumentavam. “Com um maior policiamento nas ruas, apelos por parte de todos as autoridades públicas para que as pessoas ficassem em suas casas, que as pessoas passaram a levar a sério e ter uma noção do que estava se passando”, conta. Antes disso, já não se vendia mais máscara nem álcool gel. O estoque não tinha como ser reposto – mesmo cenário visto em cidades pelo Brasil, incluindo Laguna.

Na Espanha, o pedido é para que as pessoas só saiam de casa se for necessário e preciso. O comércio se adaptou à nova realidade. Mercados pequenos iniciaram controle de entrada e os com mais estrutura, além de restringir, passaram a demarcar no chão as distâncias seguras para que não haja aglomeração. O transporte coletivo circula, mas com restrição de distanciamento entre passageiros.

Anastasiadis foi à La Coruña através de um programa de intercâmbio da Udesc. Aluno de Arquitetura e Urbanismo, as aulas têm ocorrido pela internet. “Estou muito bem, tomando as medidas necessárias de segurança, e tentando seguir a vida com a maior naturalidade possível. Confesso que um pouco assustado e preocupado também, por estar longe de casa, por tudo que está acontecendo tanto aqui, quanto aí”, afirma.

Semanas depois do primeiro caso confirmado, o lagunense vê o cenário como assustador e sem perspectiva de melhora. “Apesar de tudo, as pessoas têm lidado bem com tudo isso, seguem esperançosas, cantando nas suas janelas, orando juntas e aplaudindo todos estes profissionais que estão lá fora se arriscando por nós”, observa.

Os dados mais atualizados informados pelas autoridades espanholas ao El País, mostram que Galícia, a região onde La Coruña (a cidade tem pouco mais de 240 mil habitantes) está inserida, tem 3.319 casos confirmados, com 69 mortos. O jornal estimou que a taxa de contaminados é de 116 pessoas a cada 100 mil moradores.

Estados Unidos – Houston, Texas: ‘Ontem, tivemos 500 mortes’

Há quase 30 anos, Velania Garcia deixou a comunidade da Figueira, no interior de Laguna, para morar fora do país. Nove anos atrás, ela se mudou para Houston, nos Estados Unidos. O município onde ela vive, é o mais populoso do estado do Texas, com cerca de 2,3 milhões de habitantes. A população é três vezes menor que a de toda Santa Catarina, que tem quase 7 milhões de moradores.

A última atualização dos números do coronavírus no Texas, alcançam 2,5 mil casos confirmados e 34 mortes, segundo informou, em seu portal na internet, o The Texas Tribune, jornal local. Os dados são de domingo, 29. O condado de Harris, ao qual a cidade de Velania pertence, já teve 230 casos e dois óbitos.

O Texas Tribune diz ainda, que o governador estadual Greg Abbott declarou desastre de saúde pública no Texas pelo avanço do novo coronavírus. A previsão é o aumento exponencial de casos.

“Os Estados Unidos infelizmente passaram a ser o epicentro do contágio do Covid-19. Hoje deve passar de mais de 103 mil contagiados. E ontem, nós tivemos 500 mortes, é muita gente”, lamenta Velania.

“Aqui ninguém está obrigado a ficar em casa. Se sairmos na rua, a polícia não vai perguntar onde vamos e o porquê saímos. Na verdade, [vejo como] uma questão de consciência de educação e de cuidado, consigo e com o próximo. Podemos sair para caminhar, correr, sair com as crianças, mas não podemos levá-las ao parquinho para não ter aglomeração”, detalha.

O comércio segue aberto, mas com restrições: a pessoa liga para o mercado ou loja, diz o que precisa, e um entregador leva até o carro do cliente, sem que haja necessidade de entrar no estabelecimento.

“Para você ter uma ideia a minha localidade não tem nenhum caso. Somos 20 mil habitantes em 30 mil km quadrados, mas não temos nenhum caso”, acrescenta. Segundo Velania, onde ela mora não há clima de medo pela doença. “Acho que pelo que eu vi no supermercado, de cada 10 pessoas, duas devem usar máscaras. E, também, usam luvas para fazer as compras”, relata.

Na cidade, as aulas iniciaram em 13 de abril, “mas acho que isso não vai acontecer”, diz a lagunense. No momento, as crianças têm recebido os conteúdos digitalmente e as tarefas são feitas e envidas para correção pela interne. “Esse sistema aqui funciona, mas apesar de tudo, algumas têm suas dificuldades”, comenta.

O presidente dos EUA, Donald Trump, sinaliza publicamente que não defende os métodos de isolamento social, como alguns estados e cidades americanas têm feito, mas anunciou no domingo, 29, medidas neste sentido até o final de abril. “Meu conselho é que independente do nosso representante no poder fique em casa. Muitas pessoas não podem, mas quem pode, fique”, alerta. “O pior ainda está por vir”, prevê.

Uma tarde de domingo, em Houston, TX – Foto: Velania Garcia, especial para Agora Laguna

Inglaterra – Londres: ‘Nunca vi nada parecido’

Moradora há muitos anos da capital inglesa, a lagunense Eugenia Anastasiadis, mais conhecida como ‘Nia’, não imaginava que veria algo parecido. Ela conversou com o Portal Agora Laguna, na última semana, quando ninguém esperava que a Inglaterra fizesse o “lock-down (termo usado para a quarentena de massa)” e nem que o primeiro-ministro, Boris Johnson, anunciasse ter contraído a Covid-19.

“Nunca vi nada parecido com que está acontecendo no momento”, relata, surpresa, Eugenia, que emenda: “Mesmo com as medidas que estão sendo tomadas acho que muitos ainda não caíram na real sobre a seriedade desse problema. Esse vírus é uma peste, não passa só pelo contágio, como também fica por dias no papel, plástico”.

Nesta segunda-feira, 30, segundo o tabloide The Guardian, há 22.141 casos em todo o Reino Unido, com 1.408 mortes entre os países que fazem parte da união britânica. Só a Inglaterra concentra 18.594 casos.

As escolas foram fechadas no dia 20 de março e estão abertas apenas para filhos de profissionais que atuam na “linha de frente”, como médicos por exemplo. O aumento dos casos fez o governo recomendar que as pessoas saiam se necessário e mesmo assim, com distanciamento de até dois metros.

Eugenia, no último dia em que saiu de casa para fazer as compras. Os papeis são os pedidos dos vizinhos – Foto: Arquivo pessoal

A lagunense conta também que mesmo as autoridades enfatizando a todo momento que não haverá desabastecimento, os mercados registram faltas de produtos mais básicos, como papel higiênico e macarrão, por exemplo. “Supermercados cheios, prateleiras vazias. O pessoal tem limpado as prateleiras sem pensar no próximo”, lamenta. “O governo pede para comprar só o essencial”.

A cena relatada por Eugênia de crescimento na busca por produtos não é diferente das que foram vistas em diversas cidades catarinenses nos primeiros dias de isolamento social, assim que anunciadas pelo governador Carlos Moisés (PSL). Restaurantes, teatros, cinemas, e outros locais de aglomeração tiveram a circulação restrita em solo inglês.

Parques, que ela define como equivalente às praias de Laguna, por sua vez tiveram crescimento de público. “Conversando com vizinhos eles disseram que querem aproveitar para sair enquanto não vier o ‘lock-down’”, relata.

O governo enviou uma carta aos grupos de risco obrigando as pessoas a ficarem 12 semanas em casa, de quarentena. Essa parte da população receberá na porta de casa alimentos e remédios, que serão entregues pelo poder público.

“A comunidade se ajuda, mas não vejo muitas pessoas levando a sério por sair de casa. Fomos comunicados que o pior está por vir e que o pico deve ser em maio. Até lá estaremos atentos”, finaliza a lagunense.

Interior de supermercado em Surbiton, LON, ING – Foto: Eugenia Andreadis, especial Agora Laguna

Portugal – Oeiras: ‘Sentimos um baque’

“Estamos aqui desde novembro do ano passado, viemos para ter condições melhores já que a economia do Brasil estava tumultuada”. É assim que começa o relato da ex-moradora de Caputera, Juraci Martins, mais conhecida como ‘Ju’. Ela deixou Laguna acompanhada do marido, Eliseu Motta, para viver em Oeiras, cidade que fica a 20 quilômetros de Lisboa, capital de Portugal.

Ju, de máscara, em uma das ruas de Oeiras: quarentena deixou cidade deserta. Foto: Arquivo pessoal, especial para Agora Laguna

Oeiras é o lar de quase 200 mil moradores. A cidade, segundo dados divulgados às 13h, desta segunda-feira, 30, pelas autoridades locais teve 79 casos confirmados de coronavírus, mas nenhum óbito.

O avanço feroz da Covid-19 em solo lusitano foi surpreendente para a lagunense: “Sentimos um baque”, resume. O crescimento da doença evoluiu para um quadro que ela descreve como o de uma situação grave. O diário Publico, jornal português, informou que o país registra 140 mortes e 6.408 casos – a manchete comemora: “É a taxa de crescimento mais baixa desde agravamento do surto”. Os números são os mais recentes e saíram no começo desta tarde.

“Estamos em estado de emergência decretado pelo nosso presidente, o primeiro-ministro. As pessoas estão restritas, absolutamente dentro de casa, com regras e aqui as regras são obedecidas e se não forem, complica ainda mais. Tem multa, mas as pessoas têm consciência e isso ajuda”, detalha.

Ouça o relato de Ju Martins

Há pouco mais de quinze dias, os portugueses estão em isolamento social. A medida iniciou quando os casos eram pouco mais de 50 confirmados. “É assustador. A gente está isolado dentro de casa, só podemos sair para supermercado e farmácia. A restrição é máxima e as pessoas fazem uso de máscara, luva, e álcool em gel continuadamente”.

O comércio restringe a entrada no estabelecimento a apenas uma pessoa por vez. “Aqui, o ministério [da Saúde] orienta que as pessoas entrem em casa e troquem de roupa, por que tudo é meio de contaminação”, acrescenta. Ela relata que no país, o poder público tem optado pela transparência e orientação para com a população. “Estamos entrando no pico aqui. A quarentena segue até abril”, diz Ju.

“Fica o alerta ao Brasil para que as pessoas deem importância e muita para as autoridades de saúde. Não é brincadeira, está havendo muitas mortes e contaminação. As pessoas têm que priorizar ficar em casa”, orienta.

Espanha – Alicante: ‘Você vê muita solidariedade’

A produção da reportagem obteve outro relato, não de uma lagunense, mas de uma florianopolitana. Josy Zarur de Matos, mora atualmente em um bairro central de Alicante, cidade portuária localizada na região da Comunidade Valenciana.

“A Espanha é o país que tem as medidas mais duras. Reduziram bastante o contato entre as pessoas e os únicos que tem direita a sair é quem continua trabalhando, como os trabalhadores da industria alimentícia, transportes… os serviços mais básicos que a população precisa”, avalia.

As fronteiras e aeroportos foram fechados no país. “Estão multando realmente. Você paga mais ou menos de 100 a 600 euros de multa e dá até cadeia, se a pessoa não justificar o motivo de estar na rua”, detalha. Segundo Josy, mais de 300 pessoas já foram levadas para a prisão. “Sempre tem pessoas que não obedecem”, pondera.

Ela compara que, em relação à Itália, os espanhóis levaram um pouco mais a sério a situação no início. Pós-doutoranda em Conservação de Plantas, Josy se colocou em isolamento voluntário e trouxe tudo o que estava na universidade para a casa. As aulas foram suspensas. A quarentena definida pelo governo espanhol foi prorrogada e deve atingir a primeira semana de abril.

A catarinense conta que as universidades doaram aos hospitais materiais básicos de proteção como luvas e álcool. Locais que trabalham com impressão em terceira dimensão (3D) começaram a produzir materiais para respiradores, por exemplo. “Uma fábrica de sapato passou a fazer máscaras; a de perfume, álcool”, diz. “Você vê muita solidariedade”, pontua.

“A Espanha está bem preparada, mas apesar disso não está dando conta da contaminação”, avalia. No relato enviado ao Portal Agora Laguna, ela observou que o sistema de saúde espanhol, reconhecido como um dos melhores do mundo, caminha para o colapso – o cenário é previsto para o Brasil, segundo o ministro Luiz Henrique Mandetta. “Os hospitais em Madrid não tem mais condições de receberem pessoas na UTI, então transferem para outros hospitais que têm. E acabam mandando pessoas para casa, quem não tem gravidade”.

“Em algumas cidades onde há mais casos, em Alicante ainda não, estão desinfetando as ruas. Todo dia passa um caminhão com hidrocloreto”, relata. Alguns hospitais, por exemplo, tiveram reforço de profissionais que já haviam se aposentado e foram convocados pelo governo para auxiliar. Hospitais de campanha, montados pelo Exército, foram erguidos em alguns pontos.

Rua central em Alicante, ESP, dias após início da quarentena – Foto: Josy Zarur Matos/Especial para Agora Laguna