Previous
Next

Uma história de superação em cinco quilômetros

Quanta história está por trás de uma fotografia? Cada clique eterniza um momento e, na maioria das vezes, vem acompanhado de muito sentimento. Ao primeiro olhar, a foto que ilustra essa matéria traz dois personagens que podem ser, simplesmente, uma dupla de atletas disputando uma corrida de rua. Mas eles são mais que isso.

Salete Enedina Vieira é lagunense e mora na comunidade da Ponta da Barra, na região da ilha. Cinco anos atrás, ela resolveu ingressar no meio atlético e entrou para a equipe DNA Corridas, que reúne competidores de corridas de rua. Mas sua participação no grupo não foi para correr e sim, para fotografar os colegas que se aventuraram. Foram duas amigas, Lucia Beatrix e Carla Cristina, que incentivaram ela a praticar o esporte.

“Nunca gostei muito assim. Não era muito fã de corrida. Mas gostei do resultado que ela trouxe para o meu corpo, a resposta que deu na condição física”, relembra Salete.

Já Cláudio Búrigo de Carvalho Filho é um médico de Tubarão, formado pela Universidade Regional de Blumenau (Furb), que tem atuação em uma clínica particular da cidade azul. Ele sempre gostou e praticou futebol. Por indicação dos amigos, Daner Marion e Fernando Gonçalves, da Tubarão Runners, começou a correr, após um convite para completar uma equipe e participar de uma maratona, por volta de 2014.

“Na época não corria, não tinha esse hábito regular. Aceitei o convite e me apaixonei pela corrida de rua, tanto que larguei futebol e qualquer outro esporte”, conta o médico.

Apesar de compartilharem inícios esportivos semelhantes, a história dos dois se cruzou no consultório médico de Búrigo, em 2017. Salete procurou a clínica para fazer um exame pois suspeitava de câncer. “O doutor Cláudio me recebeu de forma atenciosa, competente e me deu uma notícia que eu não queria receber”, lembra Salete. “Através dos exames confirmamos o diagnóstico [de câncer de mama]”, completa o médico. A notícia foi um choque, mas não foi motivo para desânimo.

Logo após início de tratamento, as amigas Carla e Rozana, e o amigo João rasparam os cabelos para incentivar Enedina (de rosa). Foto: Arquivo pessoal

E para garantir que Salete não desistiria em momento algum, desde o começo do tratamento para extirpar a doença, a lagunense teve o apoio fundamental da família e dos amigos. “Nesse tempo encontrei pessoas maravilhosas que me apoiaram, me incentivaram a nunca desistir”, enfatiza. Quando ela perdeu os cabelos, alguns de seus companheiros de corrida abriram mão da vaidade e rasparam suas madeixas também.

“Eu não tenho muitos amigos. Mas os que tenho são os melhores”, diz Salete.

Durante as consultas que fazia para verificar a situação da doença, Salete contou para o médico das aventuras no mundo das corridas e sempre mostrava uma foto ou outra que registrava dos amigos nas corridas. Inclusive, por coincidência, recebeu conselho de outros médicos para que praticasse esporte, que isso iria auxiliar no tratamento. A modalidade sugerida: corrida. “Tanto que encaro a corrida hoje como medicação para continuar firme”.

Com foco no tratamento e força de vontade, a funcionária pública conseguiu se livrar do diagnóstico de câncer. “Um belo dia voltei na clínica para fazer um novo exame e ele me deu uma boa notícia: eu ia ficar legal”, conta a lagunense.

A amizade levada para a corrida

“De fato, hoje estou bem e a gente tem uma amizade bacana. Ele é uma pessoa maravilhosa… o lado bom, do lado ruim”, comenta Salete. Essa relação de médico e paciente com as corridas de rua, aproximou ainda mais, fazendo nascer uma amizade.

Salete voltou a fazer alguns treinos, mas sem correr efetivamente. Um ano e meio após ter feito um procedimento cirúrgico, numa das conversas no consultório de Búrigo, ela diz que foi desafiada pelo médico para que corressem uma prova juntos. Ele apresenta outra versão para a história, diz que foi a lagunense quem propôs o desafio.

A dúvida de quem propôs o desafio vai permanecer. O que é fato é que entre uma data e outra concordaram em correr os cinco quilômetros da Pró-Fit Running, disputada no Mar Grosso, exatamente um mês atrás, em 1º de dezembro. “Na época que ela falou, eu tinha parado de correr por motivos profissionais e foi o momento em que dei a guinada na vida voltando a fazer atividade física. Até falei para ela: ‘Você está me salvando’. Estava focado no trabalho e esquecendo da saúde”, diz Búrigo.

“Eu continuo na luta, pois ela nunca acaba”, afirma.

A foto clicada por Elvis Palma simboliza a vitória de uma pessoa que não desistiu em momento algum e mostra o momento em que a dupla finalizou a prova. “Ele correu ao meu lado, generosamente, pois poderia disparar. Fazer cinco quilômetros e voltar para me buscar, que eu estaria no quilômetro 2,5. Mas não. Ficou ao meu lado o tempo todo e cruzamos a linha de chegada”, afirma Salete.

“Foi de muita alegria poder presenciar esse momento com ela sorrindo, resmungando, e vibrando a cada quinhentos metros que vencia. E a foto da nossa chegada representa toda essa trajetória. Quem puder perceber, nós estamos de mãos dadas e com as passadas em sincronia, ou seja com o mesmo objetivo: o de buscar o nosso melhor, no ponto de vista da saúde física, emocional… E não existe nenhuma outra forma de fazer isso, a gente sempre precisa de alguém ao nosso lado e a Salete me ajudou muito nisso”, acrescenta Búrigo.

Salete hoje leva a vida normalmente. “Eu sou uma pessoa simples, que está sobrevivendo”, resume. E segue fazendo suas fotos, e participando de algumas provas – na 21ª São Silvelho, no último fim de semana de 2019, ela esteve no meio dos 250 atletas.

Mas, para quem acompanhou todo o tratamento e viu o esforço da lagunense, ela é muito mais que uma ‘pessoa simples’. “Ao contrário do que ela pode imaginar, Salete é uma mulher de muita força e serve de exemplo para muita gente. E são exemplos como esse que ajudam as pessoas com dificuldade a buscar a sua superação, e a perceber que sempre existe um caminho que pode ser seguido e que leva a momentos mais felizes”, finaliza Cláudio Búrigo, que se diz grato por ter participado da primeira corrida oficial de Salete.