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Dispara número de morte de botos em Laguna

Foto: Elvis Palma/Agora Laguna

Conhecidos por ajudar na atividade econômica de Laguna, os botos pescadores integram uma estatística negativa. Foram 15 animais mortos em 2018 na região, número que representa o triplo do ano passado, quando cinco animais foram encontrados sem vida. Além disso, o alto índice de mortes representa um recorde desde 2012, quando o monitoramento começou a ser feito.

Todos os animais mortos pertencem à espécie Tursiops truncatus, que se relaciona de forma colaborativa com os humanos, especialmente em Laguna. Os botos interagem e conduzem o cardume de tainhas até as redes dos pescadores, que jogam a tarrafa e fazem a captura. Ambos saem felizes com a parceria: o pescador consegue fazer seu trabalho com mais facilidade e o animal deixa o local com um peixe na boca a cada tentativa.

— A pesca entre o boto e o pescador ocorre em Laguna há pelo menos 150 anos. A espécie está em quase todos os locais do planeta, mas em Laguna é o caso de um grupo residente, que interage com pescadores e tem um fator de permanência muito mais forte que outras populações da mesma espécie — analisa o professor de Engenharia de Pesca e Biologia Marinha, Pedro Volkmer de Castilho.

Apesar da cumplicidade, a relação tem causado a morte de diversos animais na Capital Nacional do Boto Pescador. Ao menos nove dos 15 bichos encontrados sem vida na região fazem parte da população que fica na área costeira de Laguna. A estatística atingiu quase 20% do grupo em 2018, já que a estimativa dos pesquisadores é que 50 botos formam a população local.

Taxa de natalidade é inferior a de óbitos

Castilho afirma que após um ano tranquilo em 2015, quando apenas um animal foi encontrado sem vida, a taxa de natalidade não tem acompanhado a de mortalidade. Ainda não é possível estimar quantos animais nasceram no grupo em 2018, porque a avaliação demográfica deste ano deve ser concluída até abril de 2019. O principal motivo é a dificuldade em identificar os filhotes, pois as nadadeiras dorsais são semelhantes nessa idade.

Outra preocupação é o alto índice de animais jovens que estão morrendo. Das nove mortes registradas na população de Laguna, ao menos cinco foram de filhotes ou botos em desenvolvimento. Entre os fatores que incidem na quantidade de óbitos de machos, segundo especialistas, estão inexperiência, falta de domínio do ambiente, curiosidade e exposição a riscos, pois são mais exploradores e menos cuidadosos do que as fêmeas.

— Como estão morrendo só indivíduos juvenis, vai chegar uma hora em que não teremos mais indivíduos para reprodução. Isso pode criar uma espécie de hiato reprodutivo. Se houver uma queda imunológica, pode ser que a gente perca toda a população de uma vez — alerta Castilho.

Morte de botos em Laguna

Ocorrências registradas por ano

2009: 1

2010: 1

2011: 2

2012: 2

2013: 5

2014: 6

2015: 1

2016: 7

2017: 5

2018: 15

* Fonte: Engenharia de Pesca e Biologia Marinha / Pedro Castilho

A maior parte das mortes de botos em Laguna é causada pelo uso indevido de redes de pesca de emalhar, geralmente usadas para capturar bagres. Há relatos de pescadores que atravessam o equipamento de uma ponta até a outra nas margens do rio Tubarão, trancando a passagem dos animais. Muitos botos caem na armadilha e não conseguem se desvencilhar.

Para o presidente do Sindicato da Pesca de Laguna (Sindipesca), Gilberto Fernandes da Silva, as redes são colocadas no rio Tubarão por pessoas que não moram na região. Ele afirma que o pescador reconhece a importância dos botos à atividade e são os mais interessados na preservação:

– O pescador que mata o boto é o turista. Nossos pescadores têm consciência que devem preservar o boto, mas o turista não vive da pesca e não vê assim. Eles não usam barco de pesca, mas sim barco de turistas, e acham bonitos os peixes grandes. Então usam as redes irregulares e depois ainda postam fotos dos botos mortos.

Foto: Elvis Palma/Agora Laguna

Após manifestações da comunidade, a prefeitura de Laguna sancionou uma lei proibindo o uso de redes de emalhe no Rio Tubarão dentro do município. O exemplo foi seguido por Tubarão e Capivari de Baixo, por onde também passa o rio. Não que a legislação tenha impedido totalmente a prática no local, pois recentemente a Polícia Militar Ambiental apreendeu 10 redes proibidas no local.

Mas há outra causa que está matando os botos pescadores: a poluição do Complexo Lagunar. Poluentes como restos de atividades industriais e agrotóxicos são despejados na região, causando reações químicas na água. Como os botos vivem em áreas de alta produtividade primária, como desembocadores de rios, acabam afetados pelos poluentes.

A estimativa do professor de Engenharia de Pesca e Biologia Marinha, Pedro Volkmer de Castilho, é que 25% os botos locais tenham lesão de pele, algo raro e que ocorre apenas com os animais de Laguna. A mais comum e perigosa é a lobomicose, uma doença fúngica de pele que amplia o número de infecções do animal e se prolifera à medida em que o bicho perde a capacidade imunológica. Além da cura ser lenta e difícil, a doença também é transmissível.

O professor e pesquisador afirma que os animais jovens estão com deficiência imunológica e contraindo doenças mais cedo. Essas deficiências podem ser agravadas a longo prazo por fatores externos, como a condição do local onde vivem e ruídos de embarcações.

– O que acaba matando é a rede, mas a gente não sabe se o animal estava surdo, com infecções ou outras doenças. Muitos que morreram emalhados tinham outros problemas que vão destruindo as capacidades motoras – explica.

Prevenção de acidentes passa por maior fiscalização

Na opinião do presidente do Sindipesca, a medida emergencial que pode impedir a morte de mais botos pescadores é a ampliação do efetivo dos órgãos de fiscalização. Ele afirma que tem organizado reuniões para buscar soluções com a Polícia Militar Ambiental, Câmara de Vereadores de Laguna, de Capivari e de Tubarão nos últimos meses, e espera juntar o Ibama nos próximos encontros.

O comandante da 3a Companhia da Polícia Militar Ambiental de Laguna, capitão Omar Corrêa Marotto, concorda que a equipe está com efetivo abaixo do necessário. Atualmente, são apenas quatro policiais para cobrir a área oceânica e lacustre de Laguna, além das lagoas de Ibiraquera, em Imbituba. Dessa forma, quando o efetivo se desloca a alguma ação marinha, não sobram agentes para apurar denúncias em terra.

Como o planejamento é elaborado um ano antes e a equipe é reduzida, o capitão explica que não conseguiu intensificar as ações com o aumento do número de morte dos botos. Por isso, conta com a ajuda da população para informar irregularidades, seja com fotos ou relatos, porque a equipe trabalha mediante denúncias que são formalizadas.

– A primeira providência é conscientizar a população sobre a importância desse animal para a região, já que uma cadeia econômica depende deles. A segunda é conseguir colocar no ambiente aquático todos os órgãos e entidades que devem fiscalizar. Um dos órgãos que têm precariedade de equipe e não conseguem vir, por exemplo, é o Ibama. Enquanto isso, tentamos fazer operações em conjunto para diminuir essa mortalidade – diz Marotto.

A linha de raciocínio é parecida com a de Castilho, que reforça a necessidade da conscientização ambiental. O pesquisador acredita que a legislação que proíbe a rede de emalhe foi o primeiro passo, mas que a preservação dos botos exige esforços de toda a população local:

– Isso vai desde o resíduo que a pessoa joga na lagoa até a hora que o pescador coloca a rede. Não adianta só proteger o boto, mas é preciso cuidar também do lugar em que ele vive. Então, é necessário preservar as encostas, nascentes, efluentes de esgoto. Talvez a gente não tenha tempo de reverter isso antes que a população de bichos entre em situação crítica.

Foto: Elvis Palma